• O que acontece com Chipre? (1) A pequena ilha no Mediterrâneo, vizinha da Grécia, tem
uma história tumultuada de invasões e dominações. Hoje está dividida
principalmente entre duas etnias em permanente conflito: 77% dos cipriotas são
de origem grega e 18% são de origem turca. No início de 2008, quando os investimentos
especulativos mundiais estavam no auge, o país foi aceito na União Europeia. E
vale recordar que Chipre tem consideráveis reservas de gás e petróleo que
interessam à Europa! As reservas são
avaliadas em 3.7 bilhões de barris de petróleo e cerca de 5 a 8 bilhões de
pés-cúbicos de gás.
Mas a principal origem da crise cipriota está na sua
opção de aceitar essa especulação mundial e se transformar em um dos mais
famosos “paraísos fiscais”. O governo de Chipre aceitou sediar grandes bancos internacionais,
na maioria bancos gregos, atraindo grande fluxo financeiro. Os bancos gregos
usavam o território do Chipre para realizar operações bancárias nem sempre
muito lícitas. Também a Rússia passou a operar no país e para lá se dirigiram
grandes investidores da “nova oligarquia russa” que investiram na indústria
petroleira.
Acontece que o agravamento da crise internacional,
principalmente da crise grega, foi fazendo escassear esse fluxo de dinheiro. Os
bancos gregos retiraram seus depósitos para tentar salvar a crise de liquidez
em suas matrizes e a economia cipriota entra em crise, em 2012. Para piorar,
desde o início do problema a União Europeia não deu muita atenção ao que
acontecia por lá e a Alemanha via a ilha como irrelevante e incapaz de trazer
riscos para o sistema.
• O que acontece com Chipre? (2) Como sempre acontece, a receita preparada pela
“troika” para o Chipre seria a famosa “austeridade” com supressão de direitos
trabalhistas, a redução do emprego e do crescimento econômico visando possibilitar
os pagamentos devidos pelos Estados das dívidas contraídas com os grandes
bancos. Mas essa receita, agora, esbarrava em um problema que não estava previsto:
acontece que o país vive do setor financeiro, turismo e negócios imobiliários que
empregam cerca de 70% da força de trabalho nacional.
Estando o setor no centro da
crise, esses trabalhadores foram os primeiros atingidos e não tem como tirar
mais deles. Atualmente, o setor de serviços representa 80% do PIB cipriota. A
agricultura, por outro lado, emprega 8,5% da população ativa e é responsável
por apenas 2,1% do PIB, produzindo, principalmente, batatas e frutas cítricas
para exportação e alimentos para consumo interno. O Chipre é altamente
dependente de importações. Mas, segundo o Banco Central
Europeu, seriam necessários 10 bilhões de euros para o salvamento. Qual seria,
então, a saída para a crise?
Para a “troika”, nada é
difícil! Sem qualquer compromisso com o que é ético, social e humano, eles não
hesitam em aplicar os remédios que forem necessários para salvar o sistema,
mesmo que levando populações inteiras ao desespero. E a saída encontrada é bem
conhecida dos brasileiros e dos argentinos.
Lembram o que fez Zélia
Cardoso no governo de Fernando Collor? Lembram do que fez Domingos Cavallo, na Argentina, em 2001 (Governo de
Fernando de La Rua)? Pois a solução encontrada para o Chipre foi a mesma: o
confisco para todos os depósitos superiores a 100 mil euros até somar mais de 5
bilhões de euros. Em outras palavras, os poupadores terão que enfrentar perdas
equivalentes a mais da metade do pacote pactuado com a Troika.
• O que acontece com Chipre? (3) Demonstrando total desprezo pela democracia e pelo
povo, o “acordo” assinado entre o governo do Chipre e a “troika” dispensa a
aprovação pelo Parlamento. A reestruturação da economia do país terá participação direta do FMI,
confirmada pela presidente da instituição, Christine Lagarde (aquela que está
respondendo a um inquérito na França por corrupção). Enquanto isso, os saques
estão limitados a 100 euros por dia para impedir a fuga de capital.
Olli Rehn, comissário
europeu para assuntos econômicos e monetários, admitiu que “o futuro próximo
será bastante difícil para o Chipre e para seu povo”. “A Comissão [Europeia,
parte da troika] fará de tudo para aliviar as consequências desse choque
econômico e ajudar a defender as pessoas mais vulneráveis”, afirmou.
O ministro das Finanças da
Alemanha, Wolfgang Schäuble, peça principal no xadrez econômico do bloco, disse
considerar o acordo “justo” e que o setor financeiro será reduzido a três vezes
o PIB da ilha. O Banco Popular do Chipre, o segundo maior do país, será
dissolvido. Os depósitos abaixo de 100 mil euros serão congelados e
transferidos para o Banco do Chipre, o principal da ilha.
• Afinal, o que é a
“troika”?
Em todas as atuais crises da Europa vemos a interferência da chamada “troika” e
suas “receitas” sempre de mais arrocho, mais austeridade e mais recessão. E
todos já sabemos que a tal “troika” é composta pelo Banco Central Europeu
(BCE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Comissão Europeia. Qual a função
de cada uma dessas entidades?
O FMI é a mais antiga das
três e foi criado logo depois da Segunda Guerra tendo como principal finalidade estabilizar as moedas dos países para
promover o crescimento do comércio internacional, a favor do modelo.
A Comissão Europeia é formada em 1993, com a assinatura
do Tratado de Maastricht e a criação da chamada União Europeia (na época
formada por Portugal, Bélgica, Alemanha, Espanha, França, Irlanda, Itália,
Luxemburgo, Países Baixos, Áustria , Finlândia e Inglaterra que não adotou o
euro). A Comissão é o mais importante organismo da UE e
tem diversas funções: propor legislação ao Parlamento Europeu e ao Conselho,
gerir e aplicar as políticas da UE, assegurando a execução das regras
estabelecidas pelo Conselho Europeu, etc.
O Banco Central Europeu foi fundado em junho de 1998
com a adesão dos onze estados membros que tinham cumprido as condições
necessárias para adotarem a moeda única em janeiro de 1999. O BCE estabelece e
aplica a política monetária europeia, dirige as operações de câmbio e garante o
bom funcionamento dos sistemas de pagamentos.
Ernesto Germano
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