sábado, 19 de agosto de 2006

Há 70 anos a Guerra Civil Espanhola adiava um sonho e matava um poeta


Hoje o dia amanheceu triste aqui no Sapê. O céu estava cinzento, o mormaço abrasava um calor que me parecia artificial. Estranhamente tudo transcorreu bem, apesar dos contratempos comuns àqueles que estão vivos. Mas havia algo errado e conforme o dia se despedia, o céu anunciava uma chuva que enfim chegou trazendo uma má lembrança. Hoje faz 70 anos que o poeta Federico García Lorca fora executado pelas garras assassinas do fascismo espanhol.
Em 1936 começava na Espanha uma espécie de ensaio para a Segunda Guerra Mundial. Os republicanos, eleitos democraticamente, compunham o governo que em 1931 derrubara a Monarquia, mas não havia conseguido sanar os problemas sociais. Um grande número de greves e manifestações explodiram, à direita e à esquerda, questionando o governo legal. Uma onda de violência assola a Espanha, marcando a história daquele país com sangue, sentimentos separatistas, arranjos políticos, pactos de governabilidade, num tempo de cólera, onde a Europa se armava há anos para dar continuidade ao insolúvel conflito da Primeira Guerra terminada em 1918. Nesse período entre guerras, o ultranacionalismo alemão e italiano paria uma abominável máquina de fazer cadáveres em nome da supremacia ariana e da pseudo pureza ideológica dos valores morais e nacionais daqueles que insistiam em burlar as regras eleitorais que eles mesmos criaram, mas que agora estavam à serviço dos seus desafetos.
O povo espanhol elegeu então uma aliança de esquerda – Frente Popular - e consolidava o socialismo na península ibérica e demarcando, do ponto de vista geopolítico, uma perigosa arquitetura estratégica nesse tempo onde a poesia de Lorca, de Neruda e tantos outros amainava as tensões acalentando as almas. Mas a Falange, grupo golpista liderado pelo fascista-facínora-general Francisco Franco ganha o apoio de Hitler e de Mussolini, respectivamente Alemanha e Itália, para colocar em prática a sua manobra de impedir a classe operária de atravessar as fronteiras do oeste europeu e assim, materializar o destino internacionalista do socialismo.
A esquerda espanhola contava com o apoio da URSS que financiou os republicanos até onde seus interesses cabiam. Pois os trotskistas do POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista) e os anarquistas lutavam contra a falange de Franco, nas diversas frentes de batalha, aguardando em vão a ajuda soviética que não vinha mais desde a metade da guerra civil. Eu falei que o dia havia amanhecido triste e agora entendo a razão. O Primeiro Estado operário do mundo, orgulho da luta coletiva, utopia de Marx, Engels e de todos os trabalhadores e trabalhadoras que deram a vida por uma sociedade igualitária, engenharia de Lênin e Trotsky – incontestáveis comandantes da Revolução Russa, traía seus princípios e deixava morrer no campo de batalha, para deleite das assassinas mãos da falange, os camaradas espanhóis e de todos os cantos do mundo, que não eram stalinistas. A URSS havia ficado do tamanho da mediocridade. Stálin aguardava o desfecho das alianças da guerra mundial que se avizinhava e por isso não quis assustar as potências capitalistas do ocidente, esperando, quem sabe, pelo benévolo aceno da burguesia. Dessa forma, apertou o gatilho junto com os fascistas, na direção do peito e do sonho daqueles espanhóis que acreditaram e, por muito pouco não concretizaram, a libertação da classe trabalhadora.
Dessa forma morremos todos há 70 anos. Mas de todas as mortes, aquela que hoje fez chover foi a do poeta García Lorca. A tristeza da lembrança contrasta com o imponderável. Aquilo que vive eternamente na cabeça dos que insistem em reescrever a história um dia. Os corpos putrefatos que jazem, adubam a terra como as idéias que um dia semearam em vida. A água que cai hoje sobre esses restos mortos, nublam os olhos, despertam reflexões, mas enchem de esperança, pois a idéia de um mundo solidário e fraterno, sem patrões ou empregados, sem exploradores e explorados pululam nas cabeças dos que herdaram o legado imensurável dos imprescindíveis.
Lorca vive na sua obra e naquilo que contraditoriamente o fez sucumbir.

“Ousar lutar, ousar vencer”!

Uma boa dica para quem quer saber mais sobre o tema Guerra Civil Espanhola é assistir ao belíssimo filme Terra e Liberdade

TÍTULO DO FILME: TERRA E LIBERDADE (Land and Freedom)
ITALIA, ESPANHA, REINO UNIDO E ALEMANHA 1986
DIREÇÃO: Ken Loach
DURAÇÃO 109 minutos
ELENCO: Ian Hart, Rosana Pastor, Icíar Bollaín, Tom Gilroy e Marc Martinez
RESUMO: Em meados dos anos 30, David Carr deixa a cidade de Liverpool para lutar por seus ideais na Guerra Civil Espanhola. A Guerra, marcada pela polarização ideológica, uma das características que marcaram o período entreguerras, foi um dos acontecimentos mais marcantes da história do século XX.A crise desencadeada pela Primeira Guerra Mundial, aprofundada pela quebra da economia mundial após 1929, afetou praticamente todo o mundo, gerando grande desemprego e pobreza. Na Europa essa situação foi responsável pela "polarização ideológica", ou seja, pelo desenvolvimento das forças populares de esquerda e, ao mesmo tempo, das forças reacionárias fascistas.Na Espanha, essa situação foi responsável pela Guerra Civil, de 1936 a 39, quando um golpe militar, apoiado pelas forças de direita, provocou a divisão do país. O golpe, pretendia eliminar o regime republicano, instituído em 1931, responsável por uma série de reformas que desagradaram os setores mais conservadores do país, uma vez que os interesses de latifundiários e da Igreja Católica foram duramente atingidos.O conflito teve de um lado os republicanos apoiados pelos grupos de esquerda - comunista e anarquista -, em quanto de outro encontravam-se os grupos fascistas e os setores mais conservadores da cidade.Enquanto a Alemanha e Itália ajudaram diretamente os fascistas espanhóis, Inglaterra e França adotaram uma política de neutralidade. A principal ajuda material foi dada pela União Soviética, que enviou armas e assessores;no entanto, o grande destaque do lado republicano, foi a das "Brigadas Internacionais", grupos de voluntários de vários países, que foram combater na Espanha. No inicio de 1937, as Brigadas tiveram papel importante na vitória sobre tropas italianas.Em abril do mesmo ano, a aviação alemã, em apoio aos nacionalistas, bombardeou a cidade basca de Guernica.