sexta-feira, 13 de junho de 2008

Saudades...

Chico Mamão

Há cinco anos sinto falta dos almoços de domingo, regado a gargalhadas e repetitivas histórias de uma Mossoró que parece resistir romântica enquanto escrevo.Há cinco anos não planejo abrir o carnaval no sábado de desfile do Cordão do Bola Preta, para mais uma vez chegar acompanhado e voltar sozinho, ainda que feliz.Há cinco anos não ouço despudorados elogios à quadrilha que saqueou os cofres públicos nacionais em tempos ditatoriais.Há cinco anos não vejo se repetir a rotina de brigas conjugais no dia 1º de Maio, quando mais um outono matrimonial completava seu ciclo.Há cinco anos não tiro o carro da garagem para ir te buscar no botequim num sábado ensolarado e também não fui mais recebido de braços abertos, entre gargalhadas desproporcionais e assuntos irrelevantes, naquilo que se convencionou chamar de "Senado".Há cinco anos não tomo àqueles esporros clássicos que misturavam passado, presente e futuro, mas que me deixavam entre o ridículo e o enraivecido.Há cinco anos não presencio cenas de carinho bronco.Há cinco anos minhas narinas não são tomadas pelo impregnante cheiro de peixe que entranhava seus poros desde o Ceasa.Há cinco anos não testemunho sua introspecção preenchendo velhos formulários rosados, pedidos de caixas plásticas, que virariam nossa renda mensal.Há cinco anos não sentamos juntos à mesa de um bar para celebrarmos a vida, mas não sem antes jogar aquele curioso "abre trabalhos" numérico parecido com bingo, que mesmo chato, era mais tradicional nesse tipo de encontro do que o brinde entre copos.Há cinco anos tantas coisas são diferentes...A saudade corrói enquanto o monitor embaçado arremete luzes que não estavam aqui quando cheguei. Sinto muita falta do pai que me ensinou tantas coisas, mas que não conseguiu me ensinar a controlar minha dor.Saliva que se engole, olhos que se esfregam, vida que segue.

Diário de campo - Um mergulho no dia-a-dia dos hospitais públicos do Rio de Janeiro - PARTE 5

Uma visita ao Inferno!


Rio de Janeiro, 17 de junho de 1996.


Diário de Campo IV.
Observação de Campo no Hospital Municipal Salgado Filho, em 16/06/96.
Horário: entre 17h e 19 horas
Especificidade do dia: UPT, PS, Sutura e Radiologia.



Chegamos ao hospital, eu e Marcelo, como se não tivéssemos por lá pisado antes, afinal era o primeiro fim de semana que cobríamos, e pelo menos eu, não tinha a menor idéia das peculiaridades que encontraríamos.
De princípio, não observei nada de anormal a não ser a abordagem da equipe de acadêmicos de medicina à serviço do projeto, que se queixava insistentemente do profissional de segurança chamado Carlos, que estaria “atrapalhando” o trabalho por eles realizado. A queixa não era vã. O segurança não respeitava o “acordo” tácito feito anteriormente que rezava a permissão da equipe ou na sala de feitura das fichas de entrada dos pacientes ou na recepção de triagem médica, se dirigindo segundo a equipe com extrema grosseria. Fomos até à chefia da emergência do dia e, pelo menos aparentemente, o problema foi contornado.
Após ajudarmos a apagar esse pequeno incêndio, fomos à UPT - Unidade do Politraumatizados, cuja ocupação transbordava à normalidade. Parecia um choupana de guerra daqueles filmes americanos de quinta categoria por mais duro que seja adjetivar assim, e o pior de tudo é que ainda se dava ao luxo de ficar abandonada, pois não vimos mais que um profissional de branco circulando, em um dos ventrículos do coração da Emergência.
Partimos então ao PS, o que nessa altura do campeonato já me representa overdose de adrenalina. Tudo bem que não sou nenhum exemplo de fortaleza no que se refere a hospitais, mais convenhamos... No pronto socorro vimos de aproximadamente 10 leitos, sete idosos, sendo apenas uma maca de causa externa que teria sido operado na ortopedia. Duas coisas nos chamou a atenção: primeiro, o fato de um paciente ter sido operado na ortopedia e estar agora no PS; e, segundo, a constância de idosos neste setor. Foi aí que interpelamos mais um bom contato, a auxiliar de enfermagem Margarida. De pronto, sem nenhuma cerimônia, após a apresentação, já foi nos despejando sua versão sobre o funcionamento tanto do PS quanto da UPT, logo que estimulada: “... a UPT é para os casos de emergência e o PS é o depósito. Eles jogam os pacientes aqui. Se pintar uma vaga, os pacientes sobem, se não, ficam por aqui mesmo”. Ora não quero crer que seja sintomático o fato de termos sempre um número expressivo de idosos, no “depósito”, digo, no PS. Por que assim cresse, teria que admitir a hipótese de ali ser para além de um “depósito”, uma sala de espera para a eternidade. Resolvemos abaixar nossa adrenalina, ou será só a minha? Logo, saímos deste setor. Porém, antes indagamos Margarida à respeito de quatro macas que se encontravam no corredor de acesso a todos os setores da Emergência, e ela nos disse que ali se encontravam por não haver mais espaço na UPT, e na medida que fosse chegando casos graves, iria se retirando os “pacientes mais ou menos estabilizados” e os colocando no corredor.
Passamos então à Radiologia, setor que muito é acionado dado o número de demanda. Contatamos a Dra. Mônica, radiologista especialista em tomografia computadorizada, que ao mesmo tempo se mostrava num misto de reticência com colaboracionismo. Ratificou o que de fato pudemos observar nesse tempo de Campo, o setor funciona bem apesar da grande demanda. “O setor público tem deficiências aqui, ou em qualquer outro hospital. Porém, é a única coisa que essa gente tem”. Quando indagada quanto a manutenção dos aparelhos, ela coloca depender do problema do aparelho para reparo. Deu como exemplo o CT, que estava sem funcionamento por um problema “simples” na maca, e em casos assim, os pacientes eram encaminhados ao Souza Aguiar. Por fim definiu assim o Setor Público: “...equipamentos antigos, falta maqueiros, entretanto os profissionais que trabalham aqui são bons”. Deduzo além do visível quanto ao quadro geral da saúde pública, uma referência clara a equipe da radiologia, sempre aludida por ela na sua fala. Isto para mim, trás no seu interior uma discussão mais profunda sobre as interrelações das equipes que forma o Todo da Emergência no Salgado Filho, e fica mais claro com o passar das entrevistas.
Vejamos então, o caso do acadêmico de medicina Rui, dois meses de Salgado Filho, que trabalha no setor de Suturas. Há mais ou menos 20 casos de suturas por causas externas em cada plantão, começa Rui para logo desfilar conceitos a cerca do serviço público: “faltam recursos materiais como xilocaína, fios, etc. Mas o que me deixa mais P. não é nem isso. É o pessoal da enfermagem, que são muito displicentes quanto o atendimento. Para pegar o material, temos que ir até a enfermeira por conta da burocracia do hospital - para evitar roubo de material... - e quase nunca eles estão lá. São verdadeiros MORCEGOS!”. Mais uma vez, um profissional do hospital toca na tecla de disputa inter equipes. Começo a dar mais atenção quanto a observação feita logo nas primeiras investidas, pela auxiliar de enfermagem importada do Souza Aguiar, Nildéia que sentenciava: “falta calor humano”.
Outro ponto apontado pelo acadêmico, gira em torno do compromisso dos chefes da Emergência, e dos médicos plantonistas, nas trocas dos plantões. Diz Rui que, sempre ( pelo menos nos seus plantões ) mais ou menos 30 minutos antes do fim dos plantões tanto noturno quanto diurno, ninguém mais aparece no PS deixando os casos lá sem atendimento, sem atenção, até a troca de plantão. “... se eu plantonista, entrar ali nesse período de troca sem médico para monitorar, fico doidinho, não temos a menor condição. O PS é um inferno. Um bando de paciente gritando atendimento”. E finaliza dizendo-se “impotente” frente a falta de vagas nos ambulatórios e nos leitos da emergência.

Diário de campo - Um mergulho no dia-a-dia dos hospitais públicos do Rio de Janeiro - PARTE 4

Um Domingo, uma grávida um descaso...

Rio de janeiro, 12 de junho de 1996.


Diário de Campo III
Observação de Campo no Hospital Municipal Salgado Filho, em 11/06/96


Muito embora tenha ido obstinado a iniciar uma observação, desta vez sem a ajuda do Marcelo ou da Sueli, pegando por ordem os trâmites daqueles que chegam à Emergência do Hospital, fui pela conjuntura lá apresentada, obrigado a iniciar fora da ordem pré-estabelecida. Isto por que, feito um apanhado geral, verifiquei que a fila para atendimento na Emergência, estava pequena, tranqüila e somente de casos clínicos naquela tarde por volta das 13h e 30m. Sendo esta, a primeira estada dos pacientes que buscam atendimento emergente e não encontrando condições propícias, busquei fazer uma reconhecida geral por dentro dos setores que nos dizem respeito: a enfermagem de pediatria estava como da última visita, calma com casos de bronquite, diarréia e outros clínicos. Conversei um tempo com a auxiliar de enfermagem Nildéia, que como se não lembrasse de nossa última conversa ratificou de “negligência” o episódio do atropelamento de uma criança no domingo - já relatado em um diário anterior - e completou dizendo não ser esse um único caso; a internação de pediatria também não merecia atenção específica pois as crianças estavam em repouso e avaliei atrapalhar caso insistisse em interpelar a única enfermeira que lá estava; a sala de sutura estava cheia pois lá havia um caso recém chegado, de um paciente bastante ferido; a radiografia e a tomografia computadorizada estavam funcionando normalmente e a média de tempo de espera era aproximadamente de 20 a 30 minutos, com uma sala de mais ou menos 6 pessoas. O Pronto Socorro (PS) e a Unidade de Politraumatizados (UPT) estavam como sempre, mesmo não presenciando desta vez óbito no PS, e em relação às segundas-feiras, o UPT não estava abarrotado muito embora estivesse lotado.
Nessas andanças de avaliação dos setores de atendimento, fui interpelado enquanto me dirigia à UPT - onde viria a depositar maiores atenções pouco mais tarde - pelo profissional de Segurança Darciney. Este fora interpretado por mim e até discutido com Marcelo, como um dos “responsáveis” não só pelos outros colegas Seguranças, mas como também uma espécie de “chefe triador”, na triagem da fila antes mesmo de chegarem os pacientes a entrar no hospital. No corredor de acessos, a voz firme que indagava os transeuntes, me alcança: “Pois não Senhor? O que deseja?”. Me identifiquei, falei do meu trabalho ali e como que de repente, o tom da voz mesmo que continuasse firme, muda de sonoridade e Darciney se mostra solicito, um ‘gentleman’. Iniciava-se aí o primeiro contato com ele. No meio do corredor com olhares divididos entre seu trabalho e as pessoas do hospital que transitavam, segundo ele curiosos em saber sobre nossa conversa, vacilante no início bem passageiro, apontava com os olhos as pessoas que nos observavam numa quase paranóia, talvez típica do trabalho que realiza.
Falador, pouco à pouco foi se soltando. Desandou a tecer críticas à Saúde Pública, qualificando como “falida”, e afirmando não ser o Salgado Filho uma exceção. Ao entrar no assunto da triagem feita pelos Seguranças antes da triagem médica, dei uma certa volta dizendo que havia escutado algumas queixas neste sentido um dia destes, e creio que isso o credenciou a me responder também em voltas. Afirmou que os pacientes sofriam uma única triagem, a médica. Fui um pouco mais incisivo, e gradativamente inserindo outros assuntos e retornado, ele foi abrindo o jogo: “Fazemos uma triagem sim. E não me sinto capacitado para isso, mesmo sabendo que faço um trabalho melhor do que muitos médicos daqui”. E então porque você faz? perguntei - “Por me preocupar com meus irmãos”, respondeu circulando o dedo indicador pelo quatro cantos do hospital. E por fim, sentenciou: “...e tem mais se faço, é porque o hospital é conivente”, finaliza. Ora, se é fato que esse foi um primeiro contato, é verdade também que suas declarações são pesadas. O que seria mais grave, ter um segurança como primeiro triador àqueles que buscam a Emergência do Salgado Filho, ou ouvir que mesmo esse tipo de profissional trataria melhor os pacientes do que um próprio profissional da Saúde? E sob que aspecto essa “conivência” se apresenta em relação ao Hospital, seria oficiosa ou oficial? São questionamentos que não se encerram aqui, ao contrário, hoje se iniciam. Mas ao menos para mim, profissional de uma outra área, me recai tais declarações como uma explícita revelação de que enquanto uns de nós brincam de fazer Saúde, outros de nós aceitamos passivamente, referendando mais um mosáico da farsa capitalista.
Busquei em seguida contato com as acadêmicas de medicina e bolsistas da Fiocruz, que se encontravam na porta do atendimento de emergência, ou seja, na triagem médica. Relataram que ao menos naquele dia, o atendimento estava razoável, mais que pelo que elas observam, as pessoas serão melhores atendidas, se quem fizer o atendimento for um acadêmico, já que a experiência dos plantões que elas cobrem estava demarcando bem isso. Pedi para identificar um caso a pretexto de se tornar mais claro, e o relato foi igualmente impressionante: Domingo passsado, dia 09/06/96, chegou uma paciente buscando a Emergência, que acabara de parir no carro que a transportava. Para surpresa delas que estavam ali na triagem médica, a médica responsável na hora, uma pediatra, recusou o caso, mandando a mãe procurar um outro hospital ou atendimento. E completou, quando a paciente se resignara juntos dos familiares e resolveu buscar outro atendimento sem ao menos ter cortado o cordão umbilical, “Graças à Deus já foram!”. Será que Darciney, está completamente com a razão?
Por fim travei contato com o Dr. Vitor, na UPT, setor que me dirigia antes de ser abordado pelo Segurança. Médico “intensivista”, é responsável pela revisão de todos os pacientes da UPT em todas as tardes da semana. Atribuiu ao inchaço tanto deste setor como do PS, a desorganização, uma vez que faltam profissionais específicos para o acompanhamento dos casos lá registrados, já que sem acompanhamento, a dinâmica do atendimento é de ir deixando os pacientes ficando, pelo fato de o Hospital ir se perdendo no controle daqueles que devem ir para a UTI, aqueles que devem ir para ambulatórios, para o PS ou a UPT, os que devem ter alta, os que podem ser removidos, etc. Nosso contato foi breve pois senti que se perdurasse, eu o atrapalharia. Mas deu para sentir de sua parte um grande esforço para cooperar conosco com o que tiver ao seu alcance, e talvez seja ele um excelente profissional a ser entrevistado quando estivermos nesta fase.

Diário de campo - Um mergulho no dia-a-dia dos hospitais públicos do Rio de Janeiro - PARTE 3

Diário de Campo III
Observação de Campo no Hospital Municipal Salgado Filho, em 11/06/96


Muito embora tenha ido obstinado a iniciar uma observação, desta vez sem a ajuda do Marcelo ou da Sueli, pegando por ordem os trâmites daqueles que chegam à Emergência do Hospital, fui pela conjuntura lá apresentada, obrigado a iniciar fora da ordem pré-estabelecida. Isto por que, feito um apanhado geral, verifiquei que a fila para atendimento na Emergência, estava pequena, tranqüila e somente de casos clínicos naquela tarde por volta das 13h e 30m. Sendo esta, a primeira estada dos pacientes que buscam atendimento emergente e não encontrando condições propícias, busquei fazer uma reconhecida geral por dentro dos setores que nos dizem respeito: a enfermagem de pediatria estava como da última visita, calma com casos de bronquite, diarréia e outros clínicos. Conversei um tempo com a auxiliar de enfermagem Nildéia, que como se não lembrasse de nossa última conversa ratificou de “negligência” o episódio do atropelamento de uma criança no domingo - já relatado em um diário anterior - e completou dizendo não ser esse um único caso; a internação de pediatria também não merecia atenção específica pois as crianças estavam em repouso e avaliei atrapalhar caso insistisse em interpelar a única enfermeira que lá estava; a sala de sutura estava cheia pois lá havia um caso recém chegado, de um paciente bastante ferido; a radiografia e a tomografia computadorizada estavam funcionando normalmente e a média de tempo de espera era aproximadamente de 20 a 30 minutos, com uma sala de mais ou menos 6 pessoas. O Pronto Socorro (PS) e a Unidade de Politraumatizados (UPT) estavam como sempre, mesmo não presenciando desta vez óbito no PS, e em relação às segundas-feiras, o UPT não estava abarrotado muito embora estivesse lotado.
Nessas andanças de avaliação dos setores de atendimento, fui interpelado enquanto me dirigia à UPT - onde viria a depositar maiores atenções pouco mais tarde - pelo profissional de Segurança Darciney. Este fora interpretado por mim e até discutido com Marcelo, como um dos “responsáveis” não só pelos outros colegas Seguranças, mas como também uma espécie de “chefe triador”, na triagem da fila antes mesmo de chegarem os pacientes a entrar no hospital. No corredor de acessos, a voz firme que indagava os transeuntes, me alcança: “Pois não Senhor? O que deseja?”. Me identifiquei, falei do meu trabalho ali e como que de repente, o tom da voz mesmo que continuasse firme, muda de sonoridade e Darciney se mostra solicito, um ‘gentleman’. Iniciava-se aí o primeiro contato com ele. No meio do corredor com olhares divididos entre seu trabalho e as pessoas do hospital que transitavam, segundo ele curiosos em saber sobre nossa conversa, vacilante no início bem passageiro, apontava com os olhos as pessoas que nos observavam numa quase paranóia, talvez típica do trabalho que realiza.
Falador, pouco à pouco foi se soltando. Desandou a tecer críticas à Saúde Pública, qualificando como “falida”, e afirmando não ser o Salgado Filho uma exceção. Ao entrar no assunto da triagem feita pelos Seguranças antes da triagem médica, dei uma certa volta dizendo que havia escutado algumas queixas neste sentido um dia destes, e creio que isso o credenciou a me responder também em voltas. Afirmou que os pacientes sofriam uma única triagem, a médica. Fui um pouco mais incisivo, e gradativamente inserindo outros assuntos e retornado, ele foi abrindo o jogo: “Fazemos uma triagem sim. E não me sinto capacitado para isso, mesmo sabendo que faço um trabalho melhor do que muitos médicos daqui”. E então porque você faz? perguntei - “Por me preocupar com meus irmãos”, respondeu circulando o dedo indicador pelo quatro cantos do hospital. E por fim, sentenciou: “...e tem mais se faço, é porque o hospital é conivente”, finaliza. Ora, se é fato que esse foi um primeiro contato, é verdade também que suas declarações são pesadas. O que seria mais grave, ter um segurança como primeiro triador àqueles que buscam a Emergência do Salgado Filho, ou ouvir que mesmo esse tipo de profissional trataria melhor os pacientes do que um próprio profissional da Saúde? E sob que aspecto essa “conivência” se apresenta em relação ao Hospital, seria oficiosa ou oficial? São questionamentos que não se encerram aqui, ao contrário, hoje se iniciam. Mas ao menos para mim, profissional de uma outra área, me recai tais declarações como uma explícita revelação de que enquanto uns de nós brincam de fazer Saúde, outros de nós aceitamos passivamente, referendando mais um mosáico da farsa capitalista.
Busquei em seguida contato com as acadêmicas de medicina e bolsistas da Fiocruz, que se encontravam na porta do atendimento de emergência, ou seja, na triagem médica. Relataram que ao menos naquele dia, o atendimento estava razoável, mais que pelo que elas observam, as pessoas serão melhores atendidas, se quem fizer o atendimento for um acadêmico, já que a experiência dos plantões que elas cobrem estava demarcando bem isso. Pedi para identificar um caso a pretexto de se tornar mais claro, e o relato foi igualmente impressionante: Domingo passsado, dia 09/06/96, chegou uma paciente buscando a Emergência, que acabara de parir no carro que a transportava. Para surpresa delas que estavam ali na triagem médica, a médica responsável na hora, uma pediatra, recusou o caso, mandando a mãe procurar um outro hospital ou atendimento. E completou, quando a paciente se resignara juntos dos familiares e resolveu buscar outro atendimento sem ao menos ter cortado o cordão umbilical, “Graças à Deus já foram!”. Será que Darciney, está completamente com a razão?
Por fim travei contato com o Dr. Vitor, na UPT, setor que me dirigia antes de ser abordado pelo Segurança. Médico “intensivista”, é responsável pela revisão de todos os pacientes da UPT em todas as tardes da semana. Atribuiu ao inchaço tanto deste setor como do PS, a desorganização, uma vez que faltam profissionais específicos para o acompanhamento dos casos lá registrados, já que sem acompanhamento, a dinâmica do atendimento é de ir deixando os pacientes ficando, pelo fato de o Hospital ir se perdendo no controle daqueles que devem ir para a UTI, aqueles que devem ir para ambulatórios, para o PS ou a UPT, os que devem ter alta, os que podem ser removidos, etc. Nosso contato foi breve pois senti que se perdurasse, eu o atrapalharia. Mas deu para sentir de sua parte um grande esforço para cooperar conosco com o que tiver ao seu alcance, e talvez seja ele um excelente profissional a ser entrevistado quando estivermos nesta fase.