sábado, 20 de outubro de 2007

A guerra fria continua - segunda parte


Segunda-feira, 08 de Outubro de 2007.




Há 40 anos morreu o revolucionário latino-americano Che Guevara, vítima de uma guerra que ele sabia as dimensões e as conseqüências, prova disto está nas cartas deixadas para os filhos, mãe e mulher, onde a cada nova tentativa de irradiar o socialismo na América ou na África, vinham carregadas de despedidas.
É impressionante como algumas pessoas vestem-se em uma áurea mitológica, fruto da conjunção tempo-espaço-conjuntura-ideologia-competência. Che é uma dessas pessoas e assim, tudo ao seu redor ganha proporções igualmente magníficas. As histórias na selva de Sierra Maestra, o médico que quis virar soldado, o asmático que negava ajuda como exemplo do esforço revolucionário, a opção por mudar o mundo que julgava injusto, sua rápida passagem por cargos burocráticos na nova Cuba, a condecoração feita por Jânio Quadros no Brasil, a heróica tentativa de salvar as vítimas de uma explosão num navio belga carregado de armas no porto de Havana, o enterro simbólico das cinzas das vítimas no dia seguinte que flagrou um Che introspectivo nas lentes de Alberto Korda - imotalizando para sempre a imagem do mito na mais divulgada fotografia de todos os tempos, a despedida de Cuba e de seu Comandante Fidel, a aventura no Congo, a guerrilha na Bolívia, a emboscada da CIA, a morte do homem e a eternização do mito.
Mas também impressiona as tentativas de transformá-lo num "aventureiro", "totalitário", "terrorista" ou produto mercantil do capitalismo. Na edição do dia 03 de Outubro de 2007, uma certa revista de tiragem semanal, que por uma questão de respeito ao leitor desse pequeno artigo me recuso a escrever o seu nome imperativo, trouxe de volta os anos de guerra fria. Um panfleto anti-comunista, como tantos que já publicou, mas com o status de matéria de capa, que revela um Che "maltrapilho e sujo metido em uma grota nos confins da Bolívia". (?)
A idéia desta revista (?) era impactar o leitor com um discurso de movimento estudantil de direita aos moldes da Mackenzie de São Paulo nos idos da ditadura militar e o seu tenebroso braço armado da pequena-burguesia juvenil paulistana do CCC - Comando Caça Comunista. Nas páginas chovinistas do semanário pode-se encontrar apresentações como "Ernesto Guevara Lynch de la Serna, argentino de Rosário, o Che, que antes, para os companheiros, era apenas "el chancho", o porco, porque não gostava de banho e "tinha cheiro de rim fervido". E...???
As letras frias do artigo panfleto vão além: "Por suas convicções ideológicas, Che tem seu lugar assegurado na mesma lata de lixo onde a história já arremessou há tempos outros teóricos e práticos do comunismo, como Lenin, Stalin, Trotsky, Mao e Fidel Castro. Entre a captura e a execução de Che na Bolívia, passaram-se 24 horas. Nesse período, o governo boliviano e os americanos da CIA que ajudaram na operação decidiram entre si o destino de Guevara. Execução sumária? Não para os padrões de Che. Centenas de homens que ele fuzilou em Cuba tiveram sua sorte selada em ritos sumários cujas deliberações muitas vezes não passavam de dez minutos." Alguém precisa avisar a esta "conceituada" revista que tanto nas "execuções sumárias em Cuba", quanto na própria morte de Che, estávamos em guerra, em processo revolucionário, que tem como pressuposto - se certo ou não é outra discussão - o sangue, a morte de um sistema para o nascimento de outro. Tudo bem que não tenho como hábito poluir-me com esta droga semanal, mas ao que me consta, nunca foi feito uma matéria sequer, sobre a violência das revoluções burguesas: O quão violentos foram os anos de guerra civil na Inglaterra do século XVII para instituir a primeira experiência capitalista da história. Ou as cenas absolutamente desprezíveis dos estadunidenses nas terras indígenas sioux, exterminando nações inteiras em nome da democracia representativa que inauguravam no norte desta América. Também não me lembro de ler ali, no pasto do conservadorismo de imprensa, críticas a teoria da predestinação, ou a doutrina Monroe ou ainda ao "Big Stick". São coisas cujo teor chocaria mesmo a um pequeno aprendiz de consumista neste mundo de valores invertidos, como disse William Evarts, secretário de Estado dos EUA (1877 – 1881), em reunião com financistas e dignitários mexicanos em Nova York, que lançou uma “pérola” que parece antever o futuro, explicando o que seria a tal Doutrina Monroe:
“A América para os americanos. Ora, eu proporia com prazer um aditamento: para os americanos, sim, senhores, entendamo-nos, para os americanos do norte (aplausos). Comecemos pelo nosso caro vizinho, o México, de que já comemos um bocado em 1848. Tomemo-lo (risos). A América central virá depois, abrindo nosso apetite para quando chegar a vez da América do sul. Olhando para o mapa, vemos que aquele continente tem a forma de um presunto. Uncle Sam é bom de garfo; há de devorar o presunto (aplausos e risos demorados). Isto é fatal, isto é apenas questão de tempo”.
(Extraído do livro A Ilusão Americana, de Eduardo Prado - 1894).
Não me lembro de ler uma crítica às guilhotinas da revolução francesa, nesta tradicional e retrógrada revista, nem tampouco sobre os fuzilamentos revolucionários de Napoleão Bonaparte. Mas ainda que esta revista optasse por escrever apenas sobre temas atuais, não se debruçando a um passado secular, também não me recordo de ler ali reprimendas irônicas a invasão estadunidense, inglesa, espanhola... ao Iraque, Afegansitão, Granada, Chile... e a lista é enorme.
Parece-me claro que, por alguma razão que até a esquerda desconhece, a revista imperativa retomou a velha discussão de antagonismos da guerra fria, revivendo o fantasma comunista que dormia embaixo da cama ou dentro dos armários dos neuróticos generais ditatoriais latino-americanos nas décadas de 60 e 70 do século passado.
De qualquer forma, como cidadão latino-americano, devo aqui prestar minha quase silenciosa homenagem ao revolucionário socialista, que reinventou sua própria vida em nome de uma vida mais digna para seus irmãos latinos. Ao sensível político que entendeu que “tão importante que construir uma nova Cuba é construir um novo homem cubano” e assim foi feito. Dessa forma, aquela pequena ilha do Caribe ainda resiste, mesmo que você não Veja além das linhas que são escritas sobre os opositores do neo-liberalismo.