quarta-feira, 2 de agosto de 2006

Cuba antes de Fidel

Em 1989, acreditando que o efeito dominó chegaria ao Caribe, toda a imprensa internacional – inclusive a equipe da TV Globo – foram a Havana, se instalaram no Habana Libre – crendo que voltaria a se chamar Habana Hilton -, para esperar, em frente ao Malecón, que caísse o regime socialista. Afinal Cuba só existia e sobrevivia, em meio a uma miséria que a imprensa ocidental caracterizava como infernal, com uma ditadura que faria da Ilha um “goulag tropical”, devido à ajuda soviética. Quando a URSS, o chamado “campo socialista” e a economia internacional planejada de que fazia parte Cuba, desapareciam do dia para a noite, como efeito de carambola, o socialismo tropical daria lugar ao retorno dos exilados de Miami e tudo voltaria a ser como nos tempos de Batista.Naqueles tempos, Cuba era o “pátio traseiro” dos EUA, o itinerário preferido das férias dos estadunidenses, de locação dos filmes melosos de Holywood, dos cassinos onde os gangsters do norte estabeleciam suas ramificações mais sujas. A ponto de que, no final da segunda guerra, depois que a máfia italiana ajudou os “defensores da democracia ocidental” a desembarcarem na Sicília para derrotar o regime fascista de Mussolini, os capos realizaram uma espécie de congresso internacional no Hotel Nacional, em Havana, para reorganizar seu lucrativo comércio em escala internacional, redividindo os novos mercados e acertando suas diferenças. Al Capone, doente, não pôde comparecer, mas todos os outros estavam ali. Chamaram um jovem e promissor cantor branco estadunidense, chamado Frank Sinatra, para que cantasse para eles. Durante o congresso houve uma greve dos funcionários do hotel, por atraso no pagamento dos funcionários. Os mafiosos quitaram todos os salários atrasados e a paz social voltou a reinar no hotel, que foi visitado pelo então presidente de Cuba, para congratular-se com aquele evento internacional de prestigiosos empresários ligados ao grande vizinho do norte.O primeiro vôo internacional da Pan American (se lembram dela?) foi para Havana. Os novos modelos de automóveis estadunidenses eram primeiro testados no “pátio traseiro”. Os marinheiros dos EUA se comportavam em Havana como se o país inteiro fosse um “prostíbulo” – conforme as belíssimas descrições dos poemas de Nicolas Guillén. Um vasto plano de construção de uma rede de hotéis, conectados diretamente com cassinos e prostituição, estava pronto para ser colocado em prática, com recursos que incluíam participação de gente como Richard Nixon, o próprio Sinatra, entre outros.“Y en eso llegó Fidel/Se acabó la diverson/Llegó el comandante y mandó a parar” – como passaram a cantar os cubanos por lá. Não poderia deixar de ser, a partir dali, a vítima preferida do ódio dos yankees. Ainda mais quando, acreditando nas suas lendas, pensaram que poderiam derrubar o novo regime, com a invasão de Baia dos Porcos, que contaria – segundo a imprensa “livre” do norte – com a vontade de sublevação, para se tornarem de novo “livres”, do povo cubano. A aventura agressiva durou 72 horas, o povo se levantou, sob a direção de Fidel, mas contra os invasores, Cuba se declarou socialista, os presos estadunidenses foram humilhantemente trocados com o governo de John Kennedy por remédios e compotas para crianças.Em “Little Havana”, do outro lado do oceano, se refugiaram os burgueses e contra-revolucionários derrotados, a curtir suas amarguras, a votar pelos republicanos, a sonhar com um passado que não volta mais, a acordar com pesadelos de que o socialismo cubano veio para ficar. Dez presidentes dos EUA disseram, sucessivamente que iam derrubar o regime cubano, todos se foram embora derrotados, sem pena nem glória.Cuba socialista e Fidel, sobreviveram a tudo e a todos. Centenas de atentados foram realizados, mas aí também fracassou o império. Até o fim do campo socialista foi superado por Cuba. Os recentes acordos estratégicos com a Venezuela e a Bolívia, no marco da Alba, os acordos com a China, a descoberta do petróleo em Cuba, fazem com que o regime se consolide ainda mais, supere as dificuldades do chamado “período especial”, desde o fim da URSS e retome os avanços para a construção do socialismo.Assim era Cuba antes de Fidel. E assim ficou com Fidel: o único país do mundo em que não há ninguém abandonado, sem proteção social, dormindo nas ruas. O primeiro pais do mundo a terminar com o analfabetismo. O único país do mundo que pode se orgulhar de ter um mínimo de 9 anos de escolaridade para toda sua população. O único que tem um sistema de saúde universal, que atende gratuitamente a toda sua população, com a melhor saúde pública do mundo. O país que desafiou o império a pouco mais de 100 quilômetros da maior potencia bélica da história da humanidade, afirmou sua soberania e sua vontade de construir uma sociedade justa e solidária – uma socialista anti-capitalista, uma sociedade socialista.
Emir Sader
Texto extraído do blog do Emir. Acesse www.cartamaior.com.br

Ousou lutar e venceu


A guerra fria ainda não acabou. A América latina vive ainda hoje, e de forma raivosa, sob os efeitos de uma guerra dissimulada, sórdida e acobertada pelo monopólio das comunicações.
Desde de 1959 a autodeterminação do povo cubano optou por um país livre das amarras do imperialismo estadunidense que transformava aquela ilha num quintal dos interesses dos EUA. A Revolução de Fidel, Raúl, Che, Camilo e do povo cubano, fez de Cuba um território de resistência, e o medo da “cubanização” do restante da América Latina, justificou invasões militares como em Granada, El Salvador, Nicarágua, e ainda patrocinou ditaduras militares como na Argentina, no Chile, no Brasil...E o que vemos hoje, tal como ontem, é a tentativa de se inverter a dicotomia liberdade Vs tirania.
Nesse 1º de Agosto de 2006 o comandante em chefe Fidel Castro Ruz se licenciou de suas tarefas no comando de Cuba, para fazer às pressas uma cirurgia.
E foi tudo o que precisavam os canais de informação de massa do mundo ocidental. Mostraram a “fragilidade” do Presidente cubano quando levou um tombo em 2003, a “debilidade” de sua saúde quando num discurso em 2002 na praça da revolução quase desmaiou. Mas nada foi mais patético que a festa dos cubanitos de Miami comemorando a “saída” de Fidel temporariamente.
O que poucos veículos colocaram no ar, foi o apoio do povo cubano a Raúl Castro, irmão de Fidel e figura importantíssima na arquitetura ideológica da Revolução de 59 e a solidariedade à Fidel com os votos de regresse logo, pois sabe aquele povo o valor de um processo revolucionário que destruiu um dos tentáculos do neocolonialismo na América latina.
Para nós, expostos ao monopólio da informação de meia dúzia de redes internacionais, vale a reflexão: O que é democracia? O que é ditadura? O que é ser tirano? Qual sistema deve acabar? E comparemos a pequena Cuba com o gigante EUA. Qual dos dois tem um presidente que é sustentado pela indústria bélica? Qual dos dois bate no peito e se orgulha de ter sido o governante que mais matou em seu estado quando fora governador? Qual dos dois invade o Oriente Médio com a empáfia de se auto declarar o paladino da democracia? Qual dos dois patrocinou ditaduras sangrentas na América latina, África e Ásia? Qual dos dois mantém no cargo uma mulher que compara a guerra de Israel contra o Líbano a um “parto necessário para o Oriente Médio”, pois estaria nascendo ali uma nova democracia? Qual dos dois manteve negócios de Petróleo com Osama Bin Laden? Qual dos dois “criou” Sadam Hussein para combater a URSS? Qual dos dois sistemas não só não resolveu o problema da fome como acentuou? Qual dos dois sistemas acredita no consumo como fundamento para o progresso? Qual dos dois sistemas faz da educação pouco acessível a maior parte da população?...
Que Fidel errou nesses anos de governo em Cuba, não duvido. Que Fidel se distanciou do marxismo algumas vezes em nome do isolamento, tampouco. Mas que Cuba ousou dar um passo à frente do restante do planeta, me parece claro.
Por isso, vida longa a Revolução Cubana! Que Fidel volte logo para ver seu povo o apoiando e possa fazer uma transição, ao estilo democrático cubano, e dessa forma, calar mais uma vez a boca de todos que estão a serviço do imperialismo.

"Ousar lutar, ousar vencer!"

segunda-feira, 31 de julho de 2006

Quintana por Quintana


Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Há ! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai ! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas : ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade.
Nasci do rigor do inverno, temperatura : 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a Sir Isaac Newton ! Excusez du peu..Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que nunca acho que escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso, sou é caladão, introspectivo. Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros ?
Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante 5 anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Veríssimo – que bem sabem (ou souberam) , o que é a luta amorosa com as palavras.
porMario Quintana.
Ontem, dia 30 de Julho de 2006, cuja madrugada registrou a temperatura mais alta desse inverno do mesmo jeito de há 100 anos, no mesmo Rio Grande do Sul de há 100 anos, comemoramos o centenário do poeta das coisas simples.
Durante a vida teve a sensibilidade de entender e nos ensinar que "amar é quando a nossa alma muda de casa". E num outro verso, quando as coisas não iam bem e os anos de chumbo traziam truculência e insensibilidade, com a ferocidade de uma corte por papel, ele sentenciou: "... eles passarão, eu passarinho."