quinta-feira, 20 de maio de 2010

FHC nunca mais!

O Vozes da América já está em ritmo de campanha eleitoral - 2010. E por mais que a verdadeira esquerda não tenha chances reais de ganhar a disputa e fazer as reformas profundas que o país tanto precisa, apontamos aqui, na majestosa visão do professor Emir Sader, os danos de uma possível volta ao poder da dupla Serra/FHC em 2011. Isto, sem contar daqueles velhos aliados dos tucanos, que desembarcaram no Brasil com Cabral em 1500 para matar índios, corromperam a estrutura colonial com a instituição do latifúndio e da escravidão, fizeram uma falsa independência em 1822, proclamaram a república em 1889, apoiaram o Estado Novo de Vargas, sorriram felizes com a notícia do suicídio dele em 1954 e, mais recentemente, golpearam a democacia impondo uma tenebrosa ditadura militar em 1964: estes nefastos "homens bons" de uma atemporalidade amendrontadora são do sugestivo partido... DEM. Incansável defensor do latifúndio e da concentração de renda. Carrasco da moralidade pública. Corruptos vorazes de nosso dinheiro e do nossa ética. Câncer em metástase da complexa engenharia política nacional. O Neoliberalismo de FHC, o DEM(o), a dependência com os EUA... nunca mais!
Vozes da América, 20 de Maio de 2010.

"O povo brasileiro já definiu uma decisão inapelável: FHC NUNCA MAIS!
Depois de se tornar ministro da economia e colocar em prática no Brasil a versão tupiniquim do plano de estabilização do FMI e ser eleito presidente com a promessa do fim da inflação e, com ela, da felicidade de todos. Terminado o “imposto aos pobres”, viriam o crescimento econômico, com a chegada de investimentos, a modernização do país e a distribuição de renda.
Seria virada “a página de getulhismo” – significando com isto, a capacidade reguladora do Estado, o patrimônio das empresas estatais, os empregos com carteira de trabalho, a política redistributiva através dos salários, a extensão do mercado interno de consumo popular, o desenvolvimento econômico junto à extensão dos direitos sociais – enfim, o papel indutor do crescimento e dos direitos sociais.
Com FHC o Brasil substituiu definitivamente o objetivo do crescimento econômico pelo da estabilidade monetária – como prescrevia o FMI e Malan e FHC acatavam. Como resultado, o discurso de que o Estado “gasta muito e gasta mal” desembocou na multiplicação por 11 do déficit público, com a inflação sendo transferida para esse déficit, deixando o Estado em situação falimentar. Nos seus dois mandatos – lembremos que FHC comprou votos para mudar a Constituição durante seu mandato para conseguir a reeleição, tal qual fizeram Menem e Fujimori -, FHC quebrou o país três vezes, tendo que apelar nas três ao FMI. Na terceira delas, os juros foram elevados a 49% (sic).
FHC terminou seu mandato rejeitado pelo povo brasileiro. Seu candidato foi derrotado e ele passou a ser o eventual candidato à presidência com o maior grau de rejeição. Saiu do governo com a inflação controlada, mas com o patrimônio público dilapidado – no maior caso de corrupção da história brasileira, o caso das privatizações, que nem sequer foi objeto de CPI do Congresso -, com as finanças públicas arrasadas, com a economia estagnada e fragilizada. Saiu como o presidente que tinha governado para os ricos, como o presidente dos ricos.
Desde o luxuoso conjunto financiado pelo grande empresariado paulista, onde instalou sua fundação – caricatura da caricatura da que tem Bill Clinton -, FHC passou a fazer ouvir a voz do grande capital brasileiro – na verdade, paulista, da Avenida Paulista -, multiplicado pelo rancor da derrota de 2002, do sucesso internacional da política exterior de Lula. Não se conteve no seu papel de ex-presidente e passou a intervir na política cotidiana. Não se deu conta que o tempo tinha passado, que sua imagem tinha se degradado, acreditou que ainda podia contar com o aureola de intelectual que pontifica sobre tudo.
Está reduzido a um velho político derrotado – junto a ACM, a Tasso Jereissati, a Bornhausen -, que fizeram parte da base fundamental de apoio de seus desastrados 8 anos de governo. Oito anos desastrados para o Brasil, no pior governo que o país já teve.
No entanto ninguém acredita que FHC se retire para a sua privacidade. O que faria ai? Seu narcisismo não esperou para publicar suas “memórias” - de auto-exaltação e desprezo pela realidade. O que faria agora? Sua vaidade, a nostalgia de quando aparecia no jornal para dizer qualquer bobagem e tinha espaço, o impulsiona a um futuro perigoso. Sua imagem vai se degradar cada vez mais. A situação de tucanos que não se atrevem a defender seu governo na campanha eleitoral prenuncia o que espera FHC daqui pra frente.
O povo já deu seu veredicto. Cada vez que FHC falava, a adesão a Lula aumentava. (A ponto de se cogitar a entrega de alguns minutos no programa de Lula a FHC, como reconhecimento e alavanca para aumentar ainda mais a vantagem de Lula.) FHC nunca mais. Nunca mais um intelectual que pretende ditar sua verdade ao povo do alto da sua suposta sabedoria, enganando, mentindo, difundindo falsidades (como “A globalização é o novo Renascimento da humanidade” ou “Há 12 milhões de brasileiros inimpregáveis”, entre tantas outras).
FHC nunca mais, nunca mais ricos governando em nome dos ricos, com falsas promessas para os pobres. Nunca mais um governo vassalo dos EUA. Nunca mais um governo que criminaliza os movimento sociais. Nunca mais um governo que desmantela o patrimônio público pela privatização de empresas estatais. Nunca mais um governo que dissemina a educação privada em detrimento da educação pública, que promove a mercantilização da cultura. Nunca mais FHC. Nunca mais tucanos-pefelistas. Nunca mais governos que concentram ainda mais a renda no Brasil, que vendem a Amazônia para ser vigiada pelas raposas do Império.

FHC NUNCA MAIS"!

Emir Sader - 22/10/2006.

domingo, 16 de maio de 2010

13 de Maio - Valeu Zumbi!

Zumbi, um negro,
respirando rebeldia,
foge pra mata um dia
à procura do Lugar.

Era um Quilombo,
a terra dos ex-escravos,
todos livres, sem os travos,
sem ter dono pra ferrar.

Vinham mestiços,
índios chegavam do eito,
todos lá tinham direito,
preto, branco, sarará.

Uma nação de iguais sem oprimidos,
de homens livres nascidos,
crescidos sem apanhar.

Chegaram ali
brancos pobres, mamelucos,
com pau, pedra e trabuco
pra liberdade ganhar.

Todos queriam ser mais um quilombola,
não viver pedindo esmola
a que não queria dar.

Uma cruzada
contra os povos livres, bravos,
para mantê-los escravos,
correram então a formar.

E a batalha
derradeira aconteceu,
jamais dela se esqueceu
quem nasceu nesse lugar.

O sol,o sol já vem.
Eu namoro uma morena
e sou moreno também

Vi preto livre
lá na Serra da Barriga
enfrentar bala e urtiga
para não se escravizar.

Como uma praga,
saída dos evangelhos,
vi Domingos Jorge Velho
palmares incendiar.

Eu vi foi tiro,
eu vi corte de peixeira,
pernada de capoeira,
vi corpo no chão rolar.
Eu vi Zumbi
ser preso, ser torturado,
violado e humilhado
por querer se libertar.

Eu vi seu corpo
ser a faca esquartejado,
como um bicho ser sangrado,
também vi seu degolar.
Vi a cabeça
enfiada numa vara,
eu vi toda a sua cara
no sol quente descarnar.


Antonio Nóbrega, em “O Marco do Meio-Dia”, espetáculo em homenagem aos 500 anos do Brasil.

O compositor pernambucano Antonio Nóbrega, levanta na história esquecida do Brasil uma das passagens mais dramáticas e ao mesmo tempo mais esperançosas: a luta do povo pobre, mestiço e negro pela liberdade. Foi Zumbi e sua trincheira chamada Palmares, que plantou a “semente” que mais tarde culminará na “liberação” dos escravos. Porém, a libertação, ainda não ocorreu, mesmo com tanta luta, e com tanto sangue derramado, seja pelos famosos ou pelos anônimos guerreiros da igualdade.

TAXA CAMARAE - Parte 3

Continuação ...

A Taxa Camarae é um tarifário promulgado, em 1517, pelo papa Leão X (1513-1521) destinado a vender indulgências, ou seja, o perdão dos pecados, a todos quantos pudessem pagar umas boas libras ao pontífice. Como veremos na transcrição que se segue, não havia delito, por mais horrível que fosse, que não pudesse ser perdoado a troco de dinheiro. Leão X declarou aberto o céu para todos aqueles, fossem clérigos ou leigos, que tivessem violado crianças e adultos, assassinado uma ou várias pessoas, abortado… desde que se manifestassem generosos com os cofres papais.

Vejamos o seus trinta e cinco artigos:



8. A absolvição e a certeza de não serem perseguidos por crimes de rapina, roubo ou incêndio, custará aos culpados 131 libras e 7 soldos.

9. A absolvição de um simples assassínio cometido na pessoa de um leigo é fixada em 15 libras, 4 soldos e 3 dinheiros.

10. Se o assassino tiver morto a dois ou mais homens no mesmo dia, pagará como se tivesse apenas assassinado um.

11. O marido que tiver dado maus tratos à sua mulher, pagará aos cofres da chancelaria 3 libras e 4 soldos; se a tiver morto, pagará 17 libras, 15 soldos; se o tiver feito com a intenção de casar com outra, pagará um suplemento de 32 libras e 9 soldos. Se o marido tiver tido ajuda para cometer o crime, cada um dos seus ajudantes será absolvido mediante o pagamento de 2 libras.

12. Quem afogar o seu próprio filho pagará 17 libras e 15 soldos [ou seja, mais duas libras do que por matar um desconhecido (observação do autor do livro)]; caso matem o próprio filho, por mútuo consentimento, o pai e a mãe pagarão 27 libras e 1 soldo pela absolvição.

13. A mulher que destruir o filho que traz nas entranhas, assim como o pai que tiver contribuído para a perpetração do crime, pagarão cada um 17 libras e 15 soldos. Quem facilitar o aborto de uma criatura que não seja seu filho pagará menos 1 libra.

14. Pelo assassinato de um irmão, de uma irmã, de uma mãe ou de um pai, pagar-se-á 17 libras e 5 soldos.

15. Quem matar um bispo ou um prelado de hierarquia superior terá de pagar 131 libras, 14 soldos e 6 dinheiros.

16. O assassino que tiver morto mais de um sacerdote, sem ser de uma só vez, pagará 137 libras e 6 soldos pelo primeiro, e metade pelos restantes.



(Fonte: Rodríguez, Pepe (1997). Mentiras fundamentais da Igreja católica.Terramar – Editores, Distribuidores e Livreiros -(1.ª edição portuguesa, Terramar, Outubro de 2001 – Anexo, pp. 345-348)

O soviete de Joinville - Um outro mundo é possível

O soviete de Joinville - Jornal do Brasil, 18 de Março de 2007.

Renan Antunes de Oliveira De Joinville, especial para o JB

Está em curso uma experiência cabocla, anacrônica e politicamente incorreta em Santa Catarina: a formação do "proletariado bolivariano trotskista estatizante germânico-joinvillense".
É uma categoria de trabalhadores sem a visão do lucro. Eles tomam a fábrica e expulsam o patrão. Funcionam sem capital e sem matéria-prima. Reduzem a jornada para 30 horas semanais. Produzem com maquinário obsoleto e só o necessário para garantir os próprios salários. Livres dos grilhões do capitalismo, são escravos de si mesmos.
A vanguarda desta turma parada no tempo é formada por 1.070 operários entrincheirados há quatro anos e meio nos galpões da indústria plástica Cipla. Eles esperam o presidente Lula cumprir uma promessa de estatização para salvar os empregos, feita na campanha de 2002.
Enquanto dura o impasse eles desafiam a Justiça que quer tirá-los de lá. Agitam-se sob o total silêncio da imprensa. Enfrentam a hostilidade da elite empresarial catarinense. E teimam em subverter até as leis de mercado: todo ano fecham no vermelho, felizes da vida.
Os operários têm planos de queimar tudo se um dia a polícia invadir o sagrado chão da fábrica. No início aconteceram algumas escaramuças, quando eles botaram para correr a PM, a Polícia Federal e até oficiais de justiça.
Antes dos incidentes a turma obedecia às leis do país e adorava o presidente Lula. Eles radicalizaram depois que o venezuelano Hugo Chávez começou a pagar as contas. Desde dezembro, quando reuniu 600 líderes de ocupações em países hermanos, a Cipla virou solo sagrado do proletariado cucaracha.
Foi tortuoso o caminho de formação desta nova classe de trabalhadores - só o proletariado é o centro da receita. O bolivariano nasce da palavra da hora para revolucionário anti-Bush, deriva do libertador das Américas, Simón Bolívar. Trotskista é o seguidor da vertente comunista do russo Leon Trotsky, criada no século passado e fracassada em todo lugar onde foi testada.
Estatizante é óbvio. O germânico-joinvillense vem das origens e do local onde ocorre. Joinville, a maior cidade industrial catarinense, uma potência econômica criada à imagem e semelhança da Alemanha. Por décadas o operariado de olhos azuis segue a tradição de trabalhar de cabeça baixa e dizer sim para tudo, em nome da ordem.
A Cipla, hoje vista como um corpo estranho e de operariado desgarrado, nasceu da nata do empresariado germânico e capitalista: ela é a mãe do Grupo Tigre, a maior empresa da América Latina de tubos e conexões.
Seus operários, máquinas e galpões foram separados da parte boa da Tigre quando começou a fazer água, nos anos 90. A família Hansen, dona de tudo, deu uma mexida e a Cipla foi entregue pelo fundador como dote a um dos genros - formado em Harvard, era tido como um geniozinho neoliberal.
Depois de cinco boas temporadas faturando 100 milhões de dólares por ano, o genro gênio deixou de recolher impostos e FGTS. Passou a pagar os operários com vales de 30 por semana. A Tigre, blindada por advogados, não quis saber da parte podre e a deixou naufragar sob uma dívida de 600 milhões.
Foi aí que o proletariado germânico-joinvillense virou revoltado à trotskista. Ele tomou a fábrica - tomada esta insuflada por um líder sindical que passou pela cidade em campanha eleitoral e prometeu estatização.
"Invadam que eu garanto", foi a promessa aos líderes. A invasão se consumou em primeiro de novembro de 2002. O pessoal evolui então para "estatizante", vendo na encampação a única chance de salvar os empregos.
No janeiro seguinte, o candidato virou presidente. Só então caiu na real. Já não pôde cumprir a promessa - ela estava na contramão da globalização. Para não fazer feio, Lula mandou seu chefe da Casa Civil ajudar o pessoal, mas José Dirceu é que acabou precisando de ajuda, bombardeado primeiro pelo caso Valdomiro Diniz, depois derrubado por Roberto Jefferson.
O pessoal continuou a luta. No ano passado apareceu o novo patrono da causa: Hugo Chávez, líder da sua peculiar Revolução Bolivariana. Ele anunciou que não queria mais comprar de empresas norte-americanas.
Como a Cipla produz tubos para a indústria do petróleo, um emissário trotskista-capitalista foi enviado à Venezuela com urgência. Deu negócio. E dos bons. Chávez manda aos companheiros matéria-prima a preços subsidiados. A turma então bolivarianou.
Lula se reelegeu. Em fevereiro, na Bahia, o presidente recebeu Serge Goulart, 52 anos, catarinense, membro do diretório nacional do partido pela corrente radical trotskista O Trabalho, líder da ocupação da Cipla.
Momento tenso. Quatro anos e cinco meses depois de insuflar a turma à invasão, Lula olha o velho companheiro e faz cara de espanto: "Como ? Ainda não resolveram o problema"? Aí vira-se para o secretário e ordena: "Dulci (Luís), cuide do caso".
Em Joinville, enquanto isso...

Tudo dá certo quando começa mal

Com a fábrica sucateada, sem dinheiro para investimentos e no vermelho, não era para as coisas irem bem. Mas a Cipla que faturou só 37 milhões em 2006, quando precisa de 90 para se equilibrar, continua de pé.
Fala Francisco Lessa, advogado da empresa: "Nós conseguimos pagar os salários de todos, acima do piso da categoria em Joinville".
Por que a Cipla não cumpre ordens de penhora da Justiça ?
- Elas são para pagar dívidas dos antigos donos. Nós queremos manter os empregos. A Justiça está mais sensível e já entende que se nos tirar equipamentos e receita ficaremos sem ter como garantir os salários de trabalhadores.
Quando pegaram a fábrica vocês não sabiam do rombo?
- Só tivemos a dimensão da coisa quando abrimos os livros. Ocupamos a fábrica quebrada e agora queremos estatização.
Quanto vale a Cipla ?
- O patrimônio está avaliado em cerca de 60 milhões, não dá para pagar nem 10% da dívida. Mas a empresa é viável, segundo um estudo do BNDES.
Como vai a produtividade?
- Ótima. Em 2004 a empresa foi premiada. Em janeiro, adotamos o regime de 30 horas semanais, uma coisa de primeiro mundo. Nosso gargalo é a compra de matéria-prima, porque os antigos donos nos deixaram com o nome sujo na praça.
Qual é o trato com Chávez?
- É um negócio feito com profissionalismo e transparente. Nós estamos passando para a Venezuela tecnologia em construção de casas populares em PVC. Eles nos fornecem materia-prima que teríamos dificuldade de comprar aqui. Nossa fábrica já está montada lá e agora esperamos mais carregamentos para tocar a Cipla.
A estatização não vai contra a política econômica nacional?
- O momento da ocupação foi antes da primeira eleição do presidente Lula. Os trabalhadores botaram muita fé nele. As coisas começaram mal, mas conseguimos nos equilibrar e sobreviver até agora. São mil famílias numa luta histórica. Está na hora de o Estado reconhecer e respeitar isso, fazendo sua parte.

Tigre foge do mico de R$ 800 milhões

A quebra da fábrica Cipla que levou à ocupação pelos operários tem origem na cisão familiar do Grupo Hansen, cuja parte saudável forma hoje a Tubos e Conexões Tigre.
Em 1989, a Cipla, mãe da Tigre, foi separada do império. Ficou com a filha do fundador, Eliseth Hansen, e administrada pelo marido, Luís Batschauer.
Usando suas iniciais, o casal formou a HB. Na gestão dele o faturamento da empresa foi caindo de 200 milhões de dólares para 155, depois 116, 87, e, finalmente, apenas 70 milhões, em 1993.
No ano seguinte a HB pediu concordata, quando já devia 600 milhões de reais em impostos e encargos sociais, além de acossada por centenas de processos trabalhistas. O rombo hoje passa dos 800 milhões.
O marido foi preso, acusado de sonegação fiscal e evasão de divisas. A esposa pediu socorro à família rica, mas não obteve. Foi à Justiça contra os dois irmãos pedindo revisão da herança do patriarca João Hansen Junior, cujo resultado não foi possível apurar.
Um dos irmãos morreu, o outro vendeu sua parte e a Tigre acabou na mão de uma cunhada com quem Eliseth não se dava direito - o resultado é que a Tigre nunca quis assumir o mico de sua fábrica-mãe.
Pelos oito anos da concordata até a ocupação a Cipla foi encolhendo de quase 3 mil para os 1.070 operários que tem hoje.
Cada fim de mês era um parto pagar salários. Os equipamentos ficaram obsoletos e a produção caiu para 30%, sem falar do sufoco que era trabalhar com dezenas de credores batendo às portas todo dia.
Aperreado pelas dívidas, Batschauer tentou vender a fábrica para os operários. Quando eles se deram conta do tamanho do rombo recusaram a oferta.
O empresário então passou uma procuração para o Conselho de Fábrica, órgão formado por gente eleita em assembléia no pátio da firma - o povão.
Apostando que o Conselho levaria a empresa à falência em poucos meses, Batschauer recolheu-se a uma peça nos fundos da Cipla, com entrada independente, onde se manteve por quase dois anos torcendo pelo fracasso dos "despreparados".
A fábrica continuou funcionando. Contrariado, Bat, como era apelidado pela massa, quis cassar a procuração. Tentou vender tudo para um pastor adventista, querendo zerar as dívidas e retomar o patrimônio.
O Conselho de Fábrica descobriu que o pastor era procurado pela polícia e conseguiu que as autoridades o prendessem.
Injuriados com o golpe do ex-patrão, os operários passaram um cadeado no portão do escritório dele e nunca mais o deixaram entrar na sua Cipla.
E então ele simplesmente desistiu. Uma das figuras mais notáveis da cidade por quase duas décadas, Luís Batschauer está desaparecido da face de Joinville, de Santa Catarina e da Região Sul, quiçá do Brasil: seis detetives particulares estão no encalço dele sem sucesso há dois anos.
A fofoca da cidade é que o casal HB se divorciou para evitar que as dívidas dele respinguem nela quando e se ela conseguir um pedaço da Tigre na Justiça.
Se o divórcio saiu, nada até agora foi averbado na certidão de casamento deles, no cartório de registro civil da cidade, como deve acontecer nestes casos.
Tudo o que se sabe é que o outrora incensado gênio das finanças formado em administração na Universidade de Harvard ofereceu às editoras locais um livro intitulado A inadimplência idônea - sua tentativa de explicar como matou a mãe da Tigre, abriu aquele rombo, não pagou as dívidas e puxou apenas algumas semanas de cadeia.
A obra permanece inédita. E o autor, em local ignorado.

Dona Odete descobre Karl Marx

Renan Antunes de Oliveira De Joinville, especial para o JB

Teve gente que cresceu como gente, depois da ocupação. O maior exemplo é dona Odete Camargo, mãe de quatro filhos, jornada dupla casa/fábrica. Era do tipo cabeça baixa, bem na sua, só batendo cartão.
Vendo o agito, estudou economia capitalista num curso promovido na fábrica por militantes da Quarta Internacional. Foi fundo no capítulo do Manifesto Comunista de Karl Marx.
Diplomada, Odete concluiu que se entrasse na luta "nada teria a perder, a não ser grilhões". Agora, só trata os colegas por "camaradas".
Acabou eleita para o conselho que dirige a fábrica. E tem mais moleza em casa com a adoção da jornada de 30 horas semanais.
Na fábrica, ela divide o serviço na linha de produção com as reuniões do comando que decide as finanças.
Tudo ali é discutido nos mínimos detalhes. Os operários analisam a planilha como se fossem acionistas: "Se alguém vê alguma coisa que não gosta, reclama e discute na assembléia", diz Eni, auxiliar da administração.
Os quesitos mais expressivos do relatório são pendurados no mural da fábrica e podem ser questionados até pelos faxineiros. No mês passado, o faturamento foi R$ 3,5 milhões, abaixo do necessário - ninguém chiou.
Os trabalhadores vigiam os companheiros. Quando um dos líderes da primeira greve tentou se eternizar num cargo sem precisar trabalhar, foi demitido por mil votos a um, o dele. Ninguém queria o vagabundo na folha.
Quem paga boa parte dela é uma multinacional. A Mercedes-Benz garante quase R$ 500 mil mensais por várias peças e aquela famosa estrela dos veículos da marca.
Por isso, mesmo com toda turbulência, o pessoal sempre se esforça para manter o setor da estrelinha, virou xodó deles.
Um flash back de 2002: a Volvo também era cliente, mas cancelou seu contrato depois que soube que o comando da fábrica estava com o operariado. Mandou buscar os moldes das peças para trocar de fornecedor.
O Conselho não quis entregá-los. A assembléia apoiou a decisão. A Volvo então foi à Justiça, que mandou a polícia para a Cipla. Não adiantou: os operários se agarraram nos moldes. Aí a multinacional ajoelhou, com medo de parar em vários países por falta de peças: pagou R$ 500 mil, garantindo um Natal gordo no ano da ocupação.
Depois de quatro anos e meio sem patrão, a aventura ainda encanta o proletariado. Os capítulos da novela são acompanhados todos os dias pela rádio peão, o boca-a-boca nas fábricas de "Xoinfile", como pronunciam os descendentes alemães.
Por conta da experiência a Cipla virou pronto-socorro de crises. Quando trabalhadores de outras fábricas estão em dificuldades, pedem ajuda e know-how ao pessoal dela. Aí o comando despacha especialistas em manifestações e enfrentamentos, na teoria trotskista de exportar a revolução permanente.
No front interno, acabou aquela de corpo mole para escapar da exploração capitalista: "Sei que se não trabalhar serei eu o prejudicado", diz um operário. "Porque se a fábrica não é minha, o produto agora é".

Camaradas, leitores, amigos, liberais...
Este é um exemplo de que outro Brasil é possível, outro mundo é possível. Apesar de ter saído timidamente no Jornal do Brasil, a imprensa burguesa insiste em não publicar uma só linha sobre esta bem sucedida experiência comunista dentro de um país de alto potencial capitalista, segundo as expectativas de "G-20", "oitava economia do mundo"... E ainda assim, o operariado, por conta própria, de maneira leninlista, promove uma auto gestão. Imaginem todos os meios de produção (industrial, intelectual, artesanal) fazendo o mesmo. Imaginem trocarmos a ideia de riqueza individual pela ideia de riqueza coletiva. Imaginem a mudança radical da filosofia individualista que beneficia 1% da população pela filosofia coletivista de bem comum. A utopia marxista é possível. O Vozes da América agredece aos camaradas de Joinvile pelo exemplo.
"Ousar lutar, ousar vencer".