sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Dica, apenas uma dica.

Raros amigos,

Chegou enfim o natal e com ele um grande problema. Primeiro do ponto de vista filosófico, pois em essência, comemora-se o nascimento de Cristo, partindo do pressuposto que é filho de Deus e desvenda o rosário da era cristã. Ainda assim, se você for temente a Deus, nos deparamos com o conceito de religião ao qual você segue, uma vez que o natal só é concebido como tal se o entendermos dentro de uma perspectiva cristã, fato que reduz ainda mais o espectro do seu significado religioso.
O segundo problema transcende a isto e para pior, pois a análise é mercadológica. Supondo a filosofia cristã como referência, o que se deveria comemorar era a fraternidade e a solidariedade, marcas deixadas pelo messias em sua curta passagem pela terra. Mas não. O que se vê é o desenfreado consumo de coisas e pessoas, pois antropofagicamente, o sistema capitalista não tem o menor pudor em fazer-nos comermos uns aos outros em troca de um presente de natal. Vale tudo. Nos consumirmos sob a forma de dívidas no cheque especial, nos cartões de crédito, só não vale "não se lembrar das pessoas que amamos", diria qualquer propaganda piegas neste tempo.
Bem, seja qual for seu motivo de comemoração, sua religião e sua predisposição às tentações da propaganda, segue abaixo uma lista de sebos da cidade do Rio de Janeiro, que além de vender excelentes presentes, serve para qualquer mês do ano e razão para se presentear de forma barata e eficaz.



Relação de sebos no Rio de Janeiro
A origem do apanhado derivou de um comentário meu na lista sobre a dificuldade de encontrarmos livros de poesia, mesmo de poetas consagrados. Daí eu acrescentei que, além da Internet, eram os sebos que me salvavam. Nestes locais encontrei verdadeiros tesouros:
1. Na rua Dois de Dezembro tem um ótimo ao ar livre, a banca da Alda.
2. No Largo do Machado, ao lado da saída do Metrô Catete, colada à segunda saída da Sendas, tem uma lojinha pequena onde se vendem livros novos e usados.
3. Na Praça José de Alencar, ao ar livro (errinho intencional), as bancas do Sr. Firmino e do Sr. Sílvio, de grande variedade.
4. Na rua Buarque de Macedo, bem no início, um excelente, com poltrona, mesinha. O dono é um rapaz de cabelos compridos, óculos, cara de intelectual consumado. Ele é muito atencioso.
5. Sebo "João do Rio", altura do número cento e oitenta e poucos, da Rua do Catete, próximo à Silveira Martins, o maior de todos. Muita coisa mesmo. O único inconveniente é que fica num sobrado daqueles antigos e é preciso subir um lance de escada. Esse já foi até objeto de matéria na TV.
6. No antigo prédio da UNE, logo na entrada, vendem-se livros novos e usados, mas o preço às vezes é um pouco mais salgado. Fica no coração da rua do Catete.
E sempre há o recurso de pegar o Metrô e ir para o Centro da Cidade, onde o que não falta é sebo:
a) "São José" - Um dos mais famosos, uma loja imensa, com dois andares de livros. Fica na Rua do Carmo, 61. Telefone: 242-1613. Há muitos anos entrevistei o dono desse sebo para escrever uma matéria sobre o assunto para o jornal Perspectiva Universitária, onde então trabalhava. b) "Sebão" - Visconde do Rio Branco, 34 c) "Elizart" - Rua Marechal Floriano, 63, telefone: 233-6024. Muito conhecido, também. d) "Tiradentes" - Rua da Carioca, próximo à Praça Tiradentes. e) "Fenac"- Rua da Quitanda, 31 (próximo à estação Cinelândia, do Metrô) f) "Antiquário" - Rua Sete de Setembro, 207 g) "Alberjano Torres" - Rua Visconde de Inahaúma, 109 (seqüência da Rua Marechal Floriano, onde existe o "Elizart") - telefone: 581-9289 h) "Winston" - Rua Buenos Aires, 83 - telefone: 224-3310 i) "O Velho Livreiro" - Rua da Assembléia, 85, telefone: 222-1385 l) No Edifício Avenida Central, sobreloja, há um muito conhecido, mas o nome agora me foge. O Edifício fica ao lado da Estação Carioca, do Metrô. Além do sebo, lá existem duas livrarias da Ciência Moderna, bem grandes, especializadas em livros de Informática. Aliás, o Avenida Central possui inúmeras lojas de "soft" e "hard", além de três andares de "stands" onde se vende de tudo relativo ao mundo dos computadores.

Polêmica - Por trás do jejum de Dom Cappio

Leonardo Boff provoca: "O bispo encarna uma postura ética. O amor ao sofredor é a regra de ouro, a suprema norma de conduta". Rodrigo Guéron rebate: "o gesto moralista não questionou a obra, nem as misérias do capitalismo — mas a democracia e os desejos da multidão"
Por uma justiça maiorO amor ao próximo e ao sofredor é a regra de ouro, a suprema norma da conduta verdadeiramente humana — porque abre desinteressadamente o ser humano ao outro, a ponto de dar a própria vida para que ele também tenha vida (Por Leonardo Boff)
A fome de miséria do bispo Os que apóiam Dom Cappio não podem ser de esquerda. Tornaram-se cúmplices e motores de um dos mais profundos conservadorismos brasileiros. Um esquema que glorifica exatamente aquilo que precisa ser vencido: fome, sofrimento e morte (Por Rodrigo Guéron)


Por uma justiça maior
O amor ao próximo e ao sofredor é a regra de ouro, a suprema norma da conduta verdadeiramente humana — porque abre desinteressadamente o ser humano ao outro, a ponto de dar a própria vida para que ele também tenha vida
Leonardo Boff
Muitos de nós estamos acabrunhados com o resultado do Supremo Tribunal Federal, concedendo campo livre para o governo implementar a transposição do rio São Francisco.
O debate naquela corte suprema foi mal colocado. A questão central não era de ecologia ambiental mas de ecologia social. Não se tratava apenas de decidir se o megaprojeto do governo implicava impactos ambientais danosos, coisa que o Ibama, numa decisão discutível, garantiu não haver. O que se tratava, acima de tudo, era de ecologia social: a quem beneficia socialmente o faraonismo daquela projeto governamental? Aos sedentos do semi-árido ou ao agronegócio e às indústrias? Os dados falam por si: cerca de 75% da água se destina ao agronegócio, 20% às indústrias e somente 5% à população sedenta.
Aqui se dá o confronto de duas posições: a do governo e a do bispo Dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra (BA).
O governo busca um crescimento que, segundo os dados acima referidos, atende primeiramente aos interesses dos poderosos e secundariamente às necessidades do povo sofredor, o que configura falta de eqüidade. Esta posição é chamada de modernização conservadora, teórica e práticamente superada.
Em função de um projeto que prioriza o povo há de se ordenar a transposição do Rio São Francisco
O bispo Dom Capppio encarna uma postura ética dando centralidade ao social e à vida, especialmente dos milhões de condenados e ofendidos do semi-árido, com os quais ele trabalha há mais de 20 anos. Em função deste projeto social, que prioriza o povo e a vida e que não nega outros usos da água, há de se ordenar a transposição do Rio São Francisco.
A justiça legal consagrou o projeto de crescimento do governo. Mas a justiça não é tudo numa sociedade, especialmente como a nossa, marcada por profundas desigualdades e conflitos de interesses que debilitam fortemente a nossa democracia.
O que sustenta a posição do bispo é outro tipo de justiça, aquela originária que antecede à justiça legal, justiça que garante o direito da vida, especialmente daqueles condenados a terem menos vida e por isso a morrerem antes do tempo. A larga tradição da ética cristã, racionalmente fundada em Aritóteles e em Santo Tomás de Aquino afirma aquela justiça originária e alimenta ainda hoje modernos projetos de ética mundial. Ela sustenta que acima da justiça está o amor à humanidade e a todos os seres. Lamentavelmente, não foi isso que se ouviu no arrazoado dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
A justiça maior de que fala Jesus tributa amor e respeito Àquele Grande Outro, Deus
O amor ao próximo e ao sofredor é a regra de ouro, a suprema norma da conduta verdadeiramente humana — porque abre desinteressadamente o ser humano ao outro, a ponto de dar a própria vida para que ele também tenha vida, como o está fazendo o bispo Dom Cappio, figura de eminente santidade pessoal e de incondicional amor aos deserdados do vale do São Francisco. Esta é a justiça maior de que fala Jesus, porque tributa amor e respeito Àquele que se esconde atrás do outro que é o Grande Outro, Deus. O povo brasileiro em sua profunda religiosidade é sensível a esse argumento.
Para entender a posição e a atitude profética do bispo, precisamos compreender este tipo de fundamentação. É perversa a tentativa de desqualificar sua figura considerando-o autoritário e falto de base popular. Ele está ancorado nos milhões que geralmente não são ouvidos porque são tidos por incuravelmente ignorantes, zeros econômicos e óleo queimado. Mas eles são portadores de um saber de experiências feito, construido na convivência com o semi-árido e no amor ao rio que chamam com carinho de Velho Chico.
O compromisso de Dom Cappio continua, secundado por todos aqueles que até agora o acompanharam, especialmente, os movimentos populares e nomes notáveis da cena nacional e internacional.
Se ele, em consequência de seu gesto, vier a falecer, a transposição poderá ser feita, pois o governo dispõe de todos os meios, militares, legais, técnicos e econômicos. Mas será a transposição da maldição.
O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por tudo o que representa, não merece carregar esta pecha pelos séculos afora.


A fome de miséria do Bispo

Os que apóiam Dom Cappio não podem ser de esquerda. Tornaram-se cúmplices e motores de um dos mais profundos conservadorismos brasileiros. Um esquema que glorifica exatamente aquilo que precisa ser vencido: fome, sofrimento e morte
Rodrigo Guéron
Escrevi um primeiro artigo sobre a greve de fome de Dom Luiz Cappio contra a transposição do Rio São Francisco no jejum anterior do religioso. Naquela ocasião, ele recebeu o apoio de alguns dos maiores coronéis oligarcas nordestinos: ACM foi visitá-lo e o então governador de Sergipe, João Alves Filho, chefe do pefelê local, participou de uma missa em sua homenagem. Note-se que ambos foram derrotados, nas eleições que se seguiram, exatamente por dois candidatos a governador do PT, numa campanha eleitoral onde as obras do rio não deixaram de ser debatidas.
É evidente que as discussões técnicas em torno da transposição são importantes. O problema são as características do ato protagonizado pelo bispo, o que esta performance diz e simboliza. Muito mais que os apoios ecléticos recebidos por Dom Cappio, seu gesto traz à tona algo que expressa o que o Brasil, e o Nordeste em particular, têm de mais conservador e violento.
O ato do bispo é, em primeiro lugar, um culto à fome, ao sofrimento e em última análise à própria morte. O bispo se auto-exalta, e é exaltado, como alguém que seria mais virtuoso que os outros porque sofre e passa fome. Isso o faria uma espécie de portador da verdade. Ou seja, fome e sofrimento seriam uma espécie de passaporte para a bem. Dessa maneira, no entanto, o bispo restaura o próprio circuito de miséria, violência endêmica e poder, que se fecha numa lógica, num sentido, que há mais de um século aprisiona a vida, e conseqüentemente a política, no Nordeste.
A pulsão de morte... a mistificação religiosa contra a qual Glauber Rocha se levantou com veemência
O mal que o moralismo salvacionista católico fez, e faz, ao país, apesar de toda ambígua e impressionante potência de Canudos, parece não ter fim. O culto ao mártir morto e vitimizado, a lógica da sina do miserável predestinado; enfim, a mistificação religiosa contra a qual Glauber Rocha se levantou com veemência. Esse ímpeto, que balança entre o conformismo e a atitude suicida/auto-martirizante por uma grande causa – como supostamente é a do bispo – transforma-se numa espécie de pulsão de morte coletiva que transcende, no Brasil, os limites do Nordeste.
Estou longe de ser um entusiasta do desenvolvimentismo, do progresso a qualquer preço: aí também existe um culto positivista e uma crença na redenção, em torno da qual organizam-se esquemas de poder. Acredito, no entanto, que água, produção de alimento e mudanças nas relações de trabalho fariam bem ao sertão. É claro que deve haver pressão política, para que os pequenos proprietários desfrutem da obra. Eles podem vir a ser uma classe média rural, pequenos produtores, por vezes resultado das ocupações de latifúndios improdutivos feitas pelo MST, e que votaram massivamente em Lula nas últimas eleições. A Pastoral da Terra e a UDR que me desculpem, mas o MST é fundamental para o crescimento do nosso mercado agrícola; para que avance o processo de diversificação e barateamento dos alimentos que hoje vivemos no país.
E embora me considere à esquerda dos marxistas, com suas teleologias e transcendências, há até algo de marxista nessa minha afirmação, qual seja, entender que as transformações da produção são sempre, de certa forma, uma transformação – e uma produção – política. Mas o marxismo cristão brasileiro torna-se cada vez mais conservador: prefere a metafísica de Marx – a salvação em algum socialismo imaculado – ao seu materialismo. É triste que os teóricos da Teologia da Libertação, que produziram uma ruptura e um movimento liberador na imanência das lutas, na rebelião dos pobres e na potente palavra de ordem do MST (“Ocupar, resistir, produzir”, hoje um tanto esquecida...), tenham caído nessa captura conservadora que nega a vida pela transcendência.
A mesma lógica moralista de Frei Betto, quando diz que o problema é os pobres desejarem
É curioso, inclusive, que uma conhecida atriz global apóie com tanta veemência o tal bispo. Ela que, como milhões de pessoas, todos os dias toma banho em água limpa graças à transposição do rio Guandu, que abastece o Rio de Janeiro; e que é famosa graças, além de seu trabalho, à poderosa indústria do entretenimento e a seu custoso aparato tecnológico, quer agora negar a tecnologia aos pobres e falar dos perigos do mercado e do dinheiro se expandir pelo sertão. É a mesma lógica moralista que fez Frei Betto dizer, há não muito tempo, que a culpa da fome era da geladeira, porque fez os pobres desejarem ter sorvete e refrigerante, quando antes se satisfaziam com arroz, feijão e carne seca. Os pobres, os que estão fora do “mercado” desejando: este é na verdade o “perigo”....
Parece claro, portanto, que não foi contra os possíveis problemas da transposição do rio, nem contra as grandes misérias do capitalismo, que essa greve se voltou. É na verdade – como Gil e Caetano bem disseram na canção Haiti, numa menção à ira de nossas “classe médias” contra as escolas propostas por Darci Ribeiro — “um pânico mal-dissimulado diante de qualquer, mas qualquer mesmo, plano que pareça fácil é rápido, e vá representar uma ameaça de democratização...”
Suponhamos mesmo que, na pior hipótese, a transposição beneficie o agronegócio, as mega-empresas agrícolas exploradoras. Então, organiza-se um sindicato, reivindica-se melhores salários, participação nos lucros, faz-se uma boa greve... Em todo caso, melhor que o servilismo aos coronéis, que não querem a transposição; melhor que uma procissão de miseráveis que santificarão um bispo morto e pedirão que Deus “nos mande chuva” e se autogloficarão na miséria, na privação e na dor.
Acho inadmissível que setores que se dizem “de esquerda” apóiem isso: não são de esquerda, posto que estão sendo cúmplices e motores de um dos mais profundos conservadorismos brasileiros. Um esquema que e glorifica exatamente aquilo que precisa ser vencido: fome, sofrimento e morte.

Textos extraídos do Le Monde Diplomatique - Brasil

A imprensa continua a mesma

“Na calada da noite” ou
“A imprensa continua a mesma”!
(Ernesto Germano – dezembro 2007)

Matéria no caderno internacional do Jornal do Brasil, em 14/12/07, destaca e comemora que “Os líderes da União Européia assinaram nesta quinta-feira em uma suntuosa cerimônia no Mosteiro dos Jerônimos de Lisboa o novo tratado que substitui a fracassada Constituição européia, e que deve facilitar as decisões no bloco (...)”. Outros jornais brasileiros noticiaram o fato, com maior ou menor destaque, mas todos aprovando a medida.
Qual o problema? Simples! Mais um golpe bem urdido pelos neoliberais e pela direita européia e mais uma manipulação da notícia que só envergonha a profissão de jornalista.
Em 2003, depois da ampliação da União Européia, os líderes liberais tentaram criar um modelo de Constituição comum à região, mais adaptado à ideologia de redução do papel do Estado e retirada dos direitos sociais. O problema é que este modelo de Constituição teria que ser aprovado pelos países membros e uma cláusula dizia que se um só país votasse contra todo o projeto seria suspenso.
Alguns resolveram o problema de forma bem pouco democrática: Alemanha, Áustria, Itália, Bélgica e mais alguns resolveram fazer “eleição indireta” e os parlamentos bem afinados com a direita votaram favoráveis. A Inglaterra, Polônia, República Tcheca e outros ficaram aguardando os demais resultados. França, Holanda e Dinamarca convocaram plebiscito para a aprovação. E aí aconteceu a surpresa! Nos três o povo deu um sonoro “não” (54,86% dos votos) à Constituição proposta pelos liberais.
Vale destacar que, na época, Nicolás Sarkozy era ministro do Interior francês e fez campanha aberta pelo “sim”, sendo derrotado.
Durante muito tempo o projeto liberal de uma Constituição “flexível” para a União Européia ficou aguardando por melhores momentos. Sarkozy, agora eleito presidente da França, saiu pelo mundo defendendo Bush e tentando articular um grupo de apoio para evitar a queda do dólar. E agora nos surpreende com esta reunião no Mosteiro dos Jerônimos, onde ele foi peça chave, fazendo aprovar a nova Constituição “na calada da noite”, sem consultas e sem plebiscitos.
E agora a minha perplexidade com a imprensa brasileira. Um presidente passa por cima da decisão do povo que votou “não”, assina um acordo às escondidas no alto de um mosteiro e protocola a mudança constitucional. E nossa imprensa o apresenta como um “grande estadista da atualidade”. Outro presidente realiza um plebiscito para mudar a Constituição, é derrotado e aceita a decisão do povo. Nossa imprensa o apresenta com “ditador”.
Sarkozy passa por cima da vontade popular e é tido como “democrata”, Chávez acata a decisão do povo e é “tirano”. Estou fascinado com a nossa imprensa!

A Imprensa brasileira e a Bolívia

Ah! Mas nós não somos selvagens!
ou A Imprensa brasileira e a Bolívia!
(Ernesto Germano – dezembro de 2007)

“O que este índio está pensando da vida?” Esta é a frase mais ouvida entre a direita boliviana. Ainda não conformados com a derrota sofrida nas urnas, em 2005, tentam por todos os meios impedir que Evo Morales governe o país. Quando convém, fazem discursos enaltecendo a “democracia”. Mas não lembram a vergonha e o golpismo de 2002.
Naquele ano, Evo Morales surpreendeu a todos os analistas quando chegou em segundo lugar nas eleições presidenciais em um país dominado pelos partidos tradicionais. Então, como manda a legislação local, o segundo turno seria por votação indireta, no Congresso. E então, sem surpresas, tomamos conhecimento de uma nota do governo estadunidense dizendo que “a eleição de Evo era um risco grande para o país e não seria vista com bons olhos pela Casa Branca”. Resultado, um Congresso submisso elegeu o representante “abençoado” por Washington.
Em 2005, Evo voltou ainda com mais força e foi eleito já em primeiro turno, venceu com maioria absoluta, tornando-se o primeiro presidente de origem indígena. Assumiu o poder em 2006 como o primeiro mandatário boliviano a ser eleito em primeiro turno em mais de trinta anos. Aí está sua legitimidade, seu direito de governar sem que potências estrangeiras se intrometam ou ameacem. Por que nossos jornais não falam nisto?
Aí armam o golpe! Os prefeitos (equivalentes aos governadores brasileiros) das cinco províncias mais ricas do país - Santa Cruz, Tarija, Beni, Pando e Cochabamba -, seguindo orientações dos propagandistas de Washington, criaram um tal Conselho Nacional da Democracia e passaram a montar atos políticos e manifestações públicas contrárias à Constituição que está sendo aprovada pelo povo boliviano. Os mesmos prefeitos que, em recente visita aos EUA, declararam-se “embaixadores da democracia” e qualificaram o presidente democraticamente eleito como “índio” e “comunista”, assegurando que vão continuar a fazer propaganda contra o governo federal.
A nossa imprensa, bem “adestrada” pelas matérias que já recebe prontas das agências governamentais estadunidenses, corre para estampar manchetes dizendo que existe uma disputa pela “autonomia” dessas províncias e que um plebiscito poderia decidir a independência da região mais rica do país. E neste momento, lendo as notícias que são passadas pela nossa imprensa tão “independente”, passamos a refletir e comparar.
Na Colômbia, quase a metade do território nacional está sob controle e governo das forças rebeldes e dos guerrilheiros, o povo local aceita e admira o governo popular. Em todo o território ocupado e controlado pela guerrilha prevalece uma outra administração voltada para o atendimento do bem público e do povo mais pobre. Lá as empresas internacionais não exploram as riquezas do solo nem a mão-de-obra barata. Mas a nossa imprensa teima em caracterizar as regiões libertas da Colômbia com “antro de terroristas”.
Lá em cima, bem no norte do nosso mapa, há anos um povo luta pela sua independência. A população de língua francesa do Canadá, a região do Quebec, já realizou plebiscitos e consultas populares em defesa da sua autonomia. Mas este desejo de liberdade sempre esbarra nos interesses estadunidenses que não gostariam de ver uma nova nação surgir em suas fronteiras. Particularmente uma nação nova e não submissa aos seus interesses. E a nossa imprensa vive elogiando o primeiro-ministro canadense – contrário à independência do Quebec – como um “grande estadista” preocupado com os problemas atuais.
Pois é. Dois exemplos... Apenas dois entre muitos que podemos citar. Mas a nossa imprensa está mesmo preocupada em defender uma divisão da Bolívia. Por que? Porque interessa aos “patrões”, não é?
Aí deparamos com a fotografia da página 22 do jornal O Globo (talvez em outros também, uma vez que a foto é distribuída pela agência AP), do dia 17 de dezembro. Nela vemos o “prefeito” de Santa Cruz comemorando seu ato político. O que devemos ver nesta foto? Em primeiro lugar, o excelente trabalho fotográfico ao escolher um ângulo propício (de baixo para cima) para mostrar que ele é “grande” e um verdadeiro “líder” com o punho levantado. Mas o principal que devemos ver nesta foto é quem está ao seu lado. Em um país onde mais de 70% da população é indígena, seu palanque é composto de brancos “puros”, arianos convictos, que não aceitam a liderança de um índio. Aliás, o próprio discurso do tal prefeito deixa isto claro: “Evo Morales quer ficar com o poder e ao lado da indiada...”. Pode ser mais claro?
Vale destacar, por fim, que a “nossa” imprensa está merecendo nota máxima do propagandista de Hitler. Goebels dizia que “uma mentira contada mil vezes vira verdade”. Vejam as duas matérias do jornal O Globo. No dia 16 e no dia 17... As fotografias estampam faixas com a mesma frase: “Já somos autônomos”. Ou seja, para nossa imprensa, a divisão da Bolívia já é fato consumado.
Quanto à luta na Colômbia ou os destinos do Quebec... Silêncio!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Bons ventos sopram do Uruguai

O Uruguai foi o primeiro país da América Latina a reconhecer o casamento entre homossexuais. Apesar de não representar um modelo de visão de mundo revolucionária, o parlamento uruguaio oficializou a união entre seres humanos, independente das formalidades morais que este tema costuma evocar, dando os mesmos direitos que antes era "privilégio" ou conquista dos heterossexuais.
Claro que ainda faltam algumas barreiras. A primeira é a confirmação presidencial e a segunda é a intensa campanha conservadora liderada por... advinhem!? Foi a Instituição que dominou o mundo ocidental por mais de 500 anos; levou muita gente à fogueria por pensar diferente dela (pena de morte); invadiu o Oriente para matar muçulmanos; condena o uso de camisinha, mesmo numa África que morre em Aids (SIDA); o chefe político é o mesmo chefe religioso e nunca fora eleito pelo seu povo; o atual chefe desta Instituição é ultraconservador, simpático às idéias fascistas na juventude e mantenedor da linha paleolítica do rebanho que diz representar.
Que os ventos do sul cheguem em toda nossa América e tragam motivos para comemorarmos, pois razões para lamentarmos já temos há 500 anos.