sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

A Imprensa brasileira e a Bolívia

Ah! Mas nós não somos selvagens!
ou A Imprensa brasileira e a Bolívia!
(Ernesto Germano – dezembro de 2007)

“O que este índio está pensando da vida?” Esta é a frase mais ouvida entre a direita boliviana. Ainda não conformados com a derrota sofrida nas urnas, em 2005, tentam por todos os meios impedir que Evo Morales governe o país. Quando convém, fazem discursos enaltecendo a “democracia”. Mas não lembram a vergonha e o golpismo de 2002.
Naquele ano, Evo Morales surpreendeu a todos os analistas quando chegou em segundo lugar nas eleições presidenciais em um país dominado pelos partidos tradicionais. Então, como manda a legislação local, o segundo turno seria por votação indireta, no Congresso. E então, sem surpresas, tomamos conhecimento de uma nota do governo estadunidense dizendo que “a eleição de Evo era um risco grande para o país e não seria vista com bons olhos pela Casa Branca”. Resultado, um Congresso submisso elegeu o representante “abençoado” por Washington.
Em 2005, Evo voltou ainda com mais força e foi eleito já em primeiro turno, venceu com maioria absoluta, tornando-se o primeiro presidente de origem indígena. Assumiu o poder em 2006 como o primeiro mandatário boliviano a ser eleito em primeiro turno em mais de trinta anos. Aí está sua legitimidade, seu direito de governar sem que potências estrangeiras se intrometam ou ameacem. Por que nossos jornais não falam nisto?
Aí armam o golpe! Os prefeitos (equivalentes aos governadores brasileiros) das cinco províncias mais ricas do país - Santa Cruz, Tarija, Beni, Pando e Cochabamba -, seguindo orientações dos propagandistas de Washington, criaram um tal Conselho Nacional da Democracia e passaram a montar atos políticos e manifestações públicas contrárias à Constituição que está sendo aprovada pelo povo boliviano. Os mesmos prefeitos que, em recente visita aos EUA, declararam-se “embaixadores da democracia” e qualificaram o presidente democraticamente eleito como “índio” e “comunista”, assegurando que vão continuar a fazer propaganda contra o governo federal.
A nossa imprensa, bem “adestrada” pelas matérias que já recebe prontas das agências governamentais estadunidenses, corre para estampar manchetes dizendo que existe uma disputa pela “autonomia” dessas províncias e que um plebiscito poderia decidir a independência da região mais rica do país. E neste momento, lendo as notícias que são passadas pela nossa imprensa tão “independente”, passamos a refletir e comparar.
Na Colômbia, quase a metade do território nacional está sob controle e governo das forças rebeldes e dos guerrilheiros, o povo local aceita e admira o governo popular. Em todo o território ocupado e controlado pela guerrilha prevalece uma outra administração voltada para o atendimento do bem público e do povo mais pobre. Lá as empresas internacionais não exploram as riquezas do solo nem a mão-de-obra barata. Mas a nossa imprensa teima em caracterizar as regiões libertas da Colômbia com “antro de terroristas”.
Lá em cima, bem no norte do nosso mapa, há anos um povo luta pela sua independência. A população de língua francesa do Canadá, a região do Quebec, já realizou plebiscitos e consultas populares em defesa da sua autonomia. Mas este desejo de liberdade sempre esbarra nos interesses estadunidenses que não gostariam de ver uma nova nação surgir em suas fronteiras. Particularmente uma nação nova e não submissa aos seus interesses. E a nossa imprensa vive elogiando o primeiro-ministro canadense – contrário à independência do Quebec – como um “grande estadista” preocupado com os problemas atuais.
Pois é. Dois exemplos... Apenas dois entre muitos que podemos citar. Mas a nossa imprensa está mesmo preocupada em defender uma divisão da Bolívia. Por que? Porque interessa aos “patrões”, não é?
Aí deparamos com a fotografia da página 22 do jornal O Globo (talvez em outros também, uma vez que a foto é distribuída pela agência AP), do dia 17 de dezembro. Nela vemos o “prefeito” de Santa Cruz comemorando seu ato político. O que devemos ver nesta foto? Em primeiro lugar, o excelente trabalho fotográfico ao escolher um ângulo propício (de baixo para cima) para mostrar que ele é “grande” e um verdadeiro “líder” com o punho levantado. Mas o principal que devemos ver nesta foto é quem está ao seu lado. Em um país onde mais de 70% da população é indígena, seu palanque é composto de brancos “puros”, arianos convictos, que não aceitam a liderança de um índio. Aliás, o próprio discurso do tal prefeito deixa isto claro: “Evo Morales quer ficar com o poder e ao lado da indiada...”. Pode ser mais claro?
Vale destacar, por fim, que a “nossa” imprensa está merecendo nota máxima do propagandista de Hitler. Goebels dizia que “uma mentira contada mil vezes vira verdade”. Vejam as duas matérias do jornal O Globo. No dia 16 e no dia 17... As fotografias estampam faixas com a mesma frase: “Já somos autônomos”. Ou seja, para nossa imprensa, a divisão da Bolívia já é fato consumado.
Quanto à luta na Colômbia ou os destinos do Quebec... Silêncio!

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