quinta-feira, 8 de março de 2012

Eu sou Mulher!

Em tempos onde somos bombardeados de ideologia através da mídia, também deixamos com que o preconceito, os estereótipos e a imposição de valores sejam infiltrados sem que percebamos.
A cerveja não é só uma cerveja, é uma devassa. O perfume não é só um perfume, e sim um imã de homens e mulheres. Não estamos comprando um produto isoladamente, e sim, comprando o “estilo de vida” que vem agregado a ele. Após anos de anúncios engraçados, inteligentes, sedutores, e acima de tudo, convincentes, a vida se torna algo comprável. Algo consumível. E isso é o que acontece com as mulheres.
Desde o começo da humanidade, nós éramos vistas como o complemento, um objeto de fácil consumo dos homens. Não tínhamos direito ao estudo, éramos analfabetas, não podíamos votar, não tínhamos profissão, nem escolhíamos nossos parceiros. Até hoje, em muitas vezes, nossos salários são inferiores aos masculinos, mesmo exercendo exatamente a mesma função. Como podemos deixar tal coisa acontecer? Como podemos tratar essa diferença injustificável, como coisa normal?
As injustiças entre os sexos já foi mais explícita, porém, de maneira característica aos tempos de hoje, continua existindo. Dessa vez, ela se tornou mais perigosa, porque ela consegue passar de maneira imperceptível, e nós, anestesiados pela inércia de nossos tempos, nos calamos diante dela, pois muitas vezes nem a notamos. Infiltradas em nosso dia-a-dia, a violência contra mulheres e a desigualdade entre os sexos estão escancaradas em nossa frente. Basta pararmos para observá-las. Ser mulher não é esse estereótipo com adjetivos tão conhecidos que nos ensinaram desde pequeno. Não é uma personagem fixa e atemporal, nem esse clichê que todos nós já conhecemos. Ser mulher é saber que foi pela coragem de outras pessoas que batalharam que nós estamos caminhando até igualdade entre ambos os sexos. Ser mulher é também, saber que há de se continuar caminhando. Ainda há muita estrada pela frente, muitas práticas a serem quebradas, muitos hábitos, tidos como naturais, a serem rompidos, pois nos tempos em que vivemos, onde a violência é banalizada, nada é o que parece.
Eu sou mulher.

Renata Gomes

SE OS HOMENS MENSTRUASSEM

Por Gloria Steinem
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Morar na Índia me fez compreender que a minoria branca do mundo passou séculos nos enganando para que acreditássemos que a pele branca faz uma pessoa superior a outra. Mas na verdade a pele branca só é mais suscetível aos raios ultravioleta e propensa a rugas.
Ler Freud me deixou igualmente cética quanto à inveja do pênis. O poder de dar à luz faz a “inveja do útero” mais lógica e um órgão tão externo e desprotegido como o pênis deixa os homens extremamente vulneráveis. Mas ao ouvir recentemente uma mulher descrever a chegada inesperada de sua menstruação (uma mancha vermelha se espalhara em seu vestido enquanto ela discutia, inflamada, num palco) eu ainda ranjo os dentes de constrangimento. Isto é, até ela explicar que quando foi informada aos sussurros deste acontecimento óbvio, ela dissera a uma platéia 100% masculina: “Vocês deveriam estar orgulhosos de ter uma mulher menstruada em seu palco. É provavelmente a primeira coisa real que acontece com vocês em muitos anos!”
Risos. Alívio. Ela transformara o negativo em positivo. E de alguma forma sua história se misturou à Índia e a Freud para me fazer compreender finalmente o poder do pensamento positivo. Tudo o que for característico de um grupo “superior” será sempre usado como justificativa para sua superioridade e tudo o que for característico de um grupo “inferior” será usado para justificar suas provações. Homens negros eram recrutados para empregos mal pagos por serem, segundo diziam, mais fortes do que os brancos, enquanto as mulheres eram relegadas a empregos mal pagos por serem mais “fracas’. Como disse o garotinho quando lhe perguntaram se ele gostaria de ser advogado quando crescesse, como a mãe, “Que nada, isso é trabalho de mulher.” A lógica nada tem a ver com a opressão.
Então, o que aconteceria se, de repente, como num passe de mágica, os homens menstruassem e as mulheres não? Claramente, a menstruação se tornaria motivo de inveja, de gabações, um evento tipicamente masculino.
Os homens se gabariam da duração e do volume. Os rapazes se refeririam a ela como o invejadíssimo marco do início da masculinidade. Presentes, cerimônias religiosas, jantares familiares e festinhas de rapazes marcariam o dia. Para evitar uma perda mensal de produtividade entre os poderosos, o Congresso fundaria o Instituto Nacional da Dismenorréia. Os médicos pesquisariam muito pouco a respeito dos males do coração, contra os quais os homens estariam, hormonalmente, protegidos e muito a respeito das cólicas menstruais. Absorventes íntimos seriam subsidiados pelo governo federal e teriam sua distribuição gratuita. E, é claro, muitos homens pagariam mais caro pelo prestígio de marcas como Tampões Paul Newman, Absorventes Mohammad Ali, John Wayne Absorventes Super e Miniabsorventes e Suportes Atléticos Joe Namath — “Para aqueles dias de fluxo leve”.
As estatísticas mostrariam que o desempenho masculino nos esportes melhora durante a menstruação, período no qual conquistam um maior numero de medalhas olímpicas. Generais, direitistas, políticos e fundamentalistas religiosos citariam a menstruação (”men-struação”, de homem em inglês) como prova de que só mesmo os homens poderiam servir a Deus e à nação nos campos de batalha (”Você precisa dar seu sangue para tirar sangue”), ocupariam os mais altos cargos (”Como é que as mulheres podem ser ferozes o bastante sem um ciclo mensal regido pelo planeta Marte?”), ser padres, pastores, o Próprio Deus (”Ele nos deu este sangue pelos nossos pecados”), ou rabinos (”Como não possuem uma purgação mensal para as suas impurezas, as mulheres não são limpas”).
Liberais do sexo masculino insistiriam em que as mulheres são seres iguais, apenas diferentes. Diriam também que qualquer mulher poderia se juntar à sua luta, contanto que reconhecesse a supremacia dos direitos menstruais (”O resto não passa de uma questão”) ou então teria de ferir-se seriamente uma vez por mês (”Você precisa dar seu sangue pela revolução”). O povo da malandragem inventaria novas gírias (”Aquele ali é de usar três absorventes de cada vez”) e se cumprimentariam, com toda a malandragem, pelas esquinas dizendo coisas tais como:
— Cara, tu tá bonito pacas!
— É, cara, tô de chico!
Programas de televisão discutiriam abertamente o assunto. (No seriado Happy Days: Richie e Potsie tentam convencer Fonzie de que ele ainda é “The Fonz”, embora tenha pulado duas menstruações seguidas. Hill Street Blues: o distrito policial inteiro entra no mesmo ciclo.) Assim como os jornais, (TERROR DO VERÃO: TUBARÕES AMEAÇAM HOMENS MENSTRUADOS. JUIZ CITA MENSTRUAÇÃO EM PERDÃO A ESTUPRADOR.) E os filmes fariam o mesmo (Newman e Redford em Irmãos de Sangue).
Os homens convenceriam as mulheres de que o sexo é mais prazeroso “naqueles dias”. Diriam que as lésbicas têm medo de sangue e, portanto, da própria vida, embora elas precisassem mesmo era de um bom homem menstruado. As faculdades de medicina limitariam o ingresso de mulheres (”elas podem desmaiar ao verem sangue”). É claro que os intelectuais criariam os argumentos mais morais e mais lógicos. Sem aquele dom biológico para medir os ciclos da lua e dos planetas, como pode uma mulher dominar qualquer disciplina que exigisse uma maior noção de tempo, de espaço e da matemática, ou mesmo a habilidade de medir o que quer que fosse? Na filosofia e na religião, como pode uma mulher compensar o fato de estar desconectada do ritmo do universo? Ou mesmo, como pode compensar a falta de uma morte simbólica e da ressurreição todo mês?
A menopausa seria celebrada como um acontecimento positivo, o símbolo de que os homens já haviam acumulado uma quantidade suficiente de sabedoria cíclica para não precisar mais da menstruação. Os liberais do sexo masculino de todas as áreas seriam gentis com as mulheres. O fato “desses seres” não possuírem o dom de medir a vida, os liberais explicariam, já é em si castigo bastante.
E como será que as mulheres seriam treinadas para reagir? Podemos imaginar uma mulher da direita concordando com todos os argumentos com um masoquismo valente e sorridente. (’A Emenda de Igualdade de Direitos forçaria as donas de casa a se ferirem todos os meses : Phyllis Schlafy. “O sangue de seu marido é tão sagrado quanto o de Jesus e, portanto, sexy também!”: Marabel Morgan.) Reformistas e Abelhas Rainhas ajustariam suas vidas em torno dos homens que as rodeariam. As feministas explicariam incansavelmente que os homens também precisam ser libertados da falsa impressão da agressividade marciana, assim como as mulheres teriam de escapar às amarras da “inveja menstrual”. As feministas radicais diriam ainda que a opressão das que não menstruam é o padrão para todas as outras opressões. (”Os vampiros foram os primeiros a lutar pela nossa liberdade!”) As feministas culturais exaltariam as imagens femininas, sem sangue, na arte e na literatura. As feministas socialistas insistiriam em que, uma vez que o capitalismo e o imperialismo fossem derrubados, as mulheres também mens-truariam. (”Se as mulheres não menstruam hoje, na Rússia”, explicariam, “é apenas porque o verdadeiro socialismo não pode existir rodeado pelo capitalismo.”)
Em suma, nós descobriríamos, como já deveríamos ter adivinhado, que a lógica está nos olhos do lógico. (Por exemplo, aqui está uma idéia para os teóricos e lógicos: se é verdade que as mulheres se tornam menos racionais e mais emocionais no início do ciclo menstrual, quando o nível de hormônios femininos está mais baixo do que nunca, então por que não seria lógico afirmar que em tais dias as mulheres comportam-se mais como os homens se portam o mês inteiro? Eu deixo outros improvisos a seu cargo.*
A verdade é que, se os homens menstruassem, as justificativas do poder simplesmente se estenderiam, sem parar.
Se permitíssemos.

quarta-feira, 7 de março de 2012

PREGUNTAS SOBRE DIOS
Don Atahualpa Yupanqui

Un día yo pregunté:
Abuelo, dónde está Dios.
Mi abuelo se puso triste,
y nada me respondió.
Mi abuelo murió en los campos,
sin rezo ni confesión.
Y lo enterraron los indios,
flauta de caña y tambor.
Al tiempo yo pregunté:
¿Padre, qué sabes de Dios?
Mi padre se puso sério
y nada me respondió.
Mi padre murió en la mina
sin doctor ni protección.
¡Color de sangre minera
tiene el oro del patrón!
Mi hermano vive en los montes
y no conoce una flor.
Sudor, malaria, serpientes,
la vida del leñador.
Y que nadie le pregunte
si sabe donde está Dios.
Por su casa no ha pasado
tan importante señor.
Yo canto par los caminos,
y cuando estoy en prisión
oigo las voces del pueblo
que canto mejor que yo.
Hay un asunto en la tierra
más importante que Dios.
Y es que nadie escupa sangre
pa que otro viva mejor.
¿Que Dios vela por los pobres?
Talvez sí, y talvez no.
Pero es seguro que almuerza
en la mesa del patrón.
Com contribuição do amigo Ricardo Martini

segunda-feira, 5 de março de 2012

A FAVELA, AS DROGAS, A VIOLÊNCIA E A POLÍCIA MILITAR - Primeira Parte

Não é de hoje que se associam estes quatro elementos da sociedade brasileira, em diferentes associações de idéias, como “a favela e as drogas”, “a favela e a violência”, “a violência e a drogas”, “as drogas e a polícia militar”, ou ainda com três elementos: “a favela, as drogas e a violência”. Pouco (ou nada) se associa na combinação “a favela e a polícia militar”, como se a presença da polícia na favela fosse secundária à presença das drogas, quando na verdade não o é, como veremos nas linhas adiante.
            Mas antes devemos nos detalhar nas definições, separadamente, de cada termo acima.

A FAVELA: (Primeira Parte)

            A favela é, para quem quiser enxergar, um misto de quilombo e senzala. De quilombo, pois muitas delas serão ocupadas por negr@s em busca de um local de moradia, e ali desenvolverão sua cultura. De senzala, pois para lá são enviad@s @s negr@s “livres”, escravizad@s agora pelo mercado de trabalho, pelo Capitalismo. Onde há o poder Negro, podemos chamar de Quilombo. Onde este poder acaba e é o branco, a elite, ou o Estado quem mandam, ali começa a senzala.
Assalariad@s ou não, empregad@s ou desempregados, cidadãos ou (?) mendigos (como se estes não fossem também aqueles), tod@s estão incluíd@s em algum degrau (sempre baixo) da nossa sociedade capitalista burguesa.
            Segundo algumas fontes, a primeira favela (a da Providencia, localizada atrás da Central do Brasil) foi formada por Negr@s ex-combatentes da Guerra dos Canudos. Independente da origem de tais Negr@s, o fato é que foi o morro o local destinado a estas pessoas, como prova do “reconhecimento” por sua força de trabalho, local que recebeu o nome de favela, e há controvérsias sobre a origem de tal nome.
            Estas controvérsias a respeito do nome não causam controvérsias a respeito da realidade que tal nome revela. Não todos os morros serão chamados de favela, mas apenas aqueles destinados aos Negr@s, com ausência quase total de saneamento básico, educação, saúde, segurança, etc.
Esgoto em morro é mais fácil de fazer do que no asfalto, pois pra descer todo santo ajuda, mas não o fazem; e a água só tem dificuldade de vencer a tal “Lei da Gravidade” nas favelas, pois nos lados ricos de Santa Teresa, Alto da Boa Vista, etc, parece que revogaram tal lei, pois lá a água não falta.
            Enfim, locais onde “viver pertinho do céu” nunca foi apenas uma característica geográfica (dada pela altura), mas também uma característica religiosa, pois o índice de mortalidade infantil, devido a doenças plenamente evitáveis com fornecimento de água tratada e esgoto; o índice de tuberculose, causada pela má nutrição e alta aglomeração humana; mortes por “PAF” (perfuração por arma de fogo, eufemismo para “tiro”) e outras tantas “causa mortis” fazem com que seus moradores estejam, realmente, mais “pertinho do céu” do que o restante da população urbana das grandes cidades.

J.J.

A FAVELA, AS DROGAS, A VIOLÊNCIA E A POLÍCIA MILITAR - Parte 2

Não é de hoje que se associam estes quatro elementos da sociedade brasileira, em diferentes associações de idéias, como “a favela e as drogas”, “a favela e a violência”, “a violência e a drogas”, “as drogas e a polícia militar”, ou ainda com três elementos: “a favela, as drogas e a violência”. Pouco (ou nada) se associa na combinação “a favela e a polícia militar”, como se a presença da polícia na favela fosse secundária à presença das drogas, quando na verdade não o é, como veremos nas linhas adiante.
            Mas antes devemos nos detalhar nas definições, separadamente, de cada termo acima.

A POLÍCIA MILITAR: (parte 2)

            A Polícia Militar, ou simplesmente PM, está aí, como eles mesmos gostam de apregoar, para “servir e proteger”. E nada mais verdadeiro do que este slogan, principalmente quando perguntamos “servir a quem”, e “proteger ‘o que e quem’ de quem”.
            Mas para responder estas perguntas simples, e para um melhor entendimento das respostas, cabe retrocedermos um pouco na história deste país, até o tempo da hoje acabada (?) escravidão, nos tempos do Brasil Colônia e Brasil Império.
            Naquela época, pipocavam as revoluções pelo mundo, principalmente nas Américas onde, no Haiti, @s Negr@s simplesmente acabaram com @s branc@s, fazendo da antiga ilha La Española a primeira República Negra das Américas.
            E no Brasil não faltavam exemplos de revoltas, como Cabanos, Malês, dentre outras, e os inúmeros Quilombos formados por Negr@s que conseguiam se libertar do cativeiro, dentre os quais o mais famoso foi o Quilombo dos Palmares.
            Para controlar estes Negr@s escravizad@s, assim como capturar Negr@s fugid@s, surge a figura do Capitão do Mato. Sujeito “mestiço” (negro), sua função social o coloca como superior aos seus “irmãos”, a quem não hesita em capturar, subjugar e punir por suas supostas faltas ao “senhor de escravos”. E cada fazendeiro passa a ter seu próprio bando (ou quadrilha) de jagunços, comandado por um capitão do mato.
            Mais tarde, uma vez que os fazendeiros começam a enxergar @ Negr@ como uma “ameaça” à integridade nacional branca, visto serem a maioria da população e, pior ainda, estarem cada vez “mais abusados, vai que queiram fazer uma revolução...”, estes fazendeiros vêem nos capitães do mato uma proteção contra a “ameaça negra”, e convencem D. João VI (patrono da Polícia Militar) a transformar estes diferentes bandos, nas diferentes fazendas, em “Guarda Nacional”, uma vez que estes jagunços protegem a nação brasileira contra esta “ameaça negra”.
E cada fazendeiro, como chefe desta “guarda”, recebe o título de “Coronel”, título este hereditário. Seu filho, o “coronelzinho”, herdará, com a morte do pai, a fazenda, seus empregados e escravos, e também o comando desta “Guarda”.
            Mais tarde ainda, D. Pedro resolve “unificar” esta “Guarda Nacional”, e lhe dá o nome de Polícia Militar.
            Daí nada mais certo do que um antigo governador do Estado do Rio que, ao “reformular” a polícia, utilizou o nome “nova polícia”. Se verificarmos a atuação dela neste período, em nada diferente de toda a sua história, só podemos completar o slogan: “nova polícia, antigos ideais”, pois combater @s Negr@s e suas diferentes formas de organização continuou, até hoje, a ser a principal função desta corporação.
            Apenas como ilustração, convém ver a cartilha com a qual ensinavam (passado?) seus subordinados a reconhecerem o traficante (negro) e o consumidor de drogas (branco), fato denunciado em 23 de setembro de 2008.

J.J.

A FAVELA, AS DROGAS, A VIOLÊNCIA E A POLÍCIA MILITAR - Parte 3

Não é de hoje que se associam estes quatro elementos da sociedade brasileira, em diferentes associações de idéias, como “a favela e as drogas”, “a favela e a violência”, “a violência e a drogas”, “as drogas e a polícia militar”, ou ainda com três elementos: “a favela, as drogas e a violência”. Pouco (ou nada) se associa na combinação “a favela e a polícia militar”, como se a presença da polícia na favela fosse secundária à presença das drogas, quando na verdade não o é, como veremos nas linhas adiante.
            Mas antes devemos nos detalhar nas definições, separadamente, de cada termo acima.

A VIOLÊNCIA: (parte 3)
           
            Segundo o Houaiss, Dicionário da Língua Portuguesa, violência é “ação exercida com ímpeto, força”, ou ainda “coação”.
            Independente das causas dos diversos tipos de violência a que o cidadão está exposto, desde o útero até a idade mais avançada, cabe algumas análises sobre a violência e o Estado. Mas antes, vamos deixar claro o que é o Estado: um produto do antagonismo inconciliável de classes sociais, sendo, obviamente, comandado pela classe social de maior poder. E o Estado (ou o grupo que estiver exercendo a função do mesmo) sempre foi violento com a classe de menor poder.
Foi assim nas épocas do Império Romano, do Feudalismo, da formação dos Estados Absolutistas, da Inquisição (onde a Igreja Católica exercia algumas funções do Estado), nas novas e antigas Repúblicas, nos governos ditos “de esquerda” (Stalin é nosso maior exemplo), etc.
Mas, no caso do Brasil, teve seu maior auge institucional na época do Governo Militar, onde simplesmente se podia fazer de tudo em nome da “preservação da ordem pública”. E não só a eliminação física d@s sujeit@s que eram contra o governo instalado, mas a sua eliminação moral, através das torturas. E esta não servia apenas para arrancar informações (justificativa canalha para tal ato), mas também para satisfazer o prazer sádico dos torturadores. Os registros de estupros, de pessoas violentadas com cassetetes e outros aparelhos fálicos, de choques em diversas regiões sexuais, etc, deixam mais que provado que havia um prazer doentio nestas práticas (por parte de quem executava a tortura, obviamente).
            Para piorar, a anistia dada a ambos, torturadores e torturados, fez incutir na mente de boa parte da população o fim da frase “nada justifica a violência”. Pelo contrário. Nunca ela foi tão justificada como agora.
            Quem tem o poder, dado pelo Estado, pelo cargo político ou pela “ascensão social”, vai usar este poder. Se tiver uma arma então, será melhor ainda.
            Hoje “se mata” por briga de trânsito, por tênis, por não atender ao chamado do segurança bancário (mesmo que seja surdo, como foi o caso de um vendedor de livros dentro de um banco), por não se ter o dinheiro para o assalto, por usar o cavalo sem pedir, por não querer mais o companheiro, por ser impedido de entrar no mercado após o horário de fechamento, por furar barreira policial, por exigir seus direitos, etc, etc, etc.
            E não é apenas o tráfico de drogas o “violento”. A violência por “disputa de pontos de venda de drogas” não é muito diferente da disputa por pontos de venda de jogo do bicho, de cervejas, de tintas, ou qualquer outro bem material, guardada as devidas proporções.
            Em países onde a Lei da Anistia foi revisada, e os militares estão sendo punidos por excessos cometidos durante as ditaduras, houve uma queda brutal da violência policial. Infelizmente, não é (ainda) o caso do Brasil.

J.J.

A FAVELA, AS DROGAS, A VIOLÊNCIA E A POLÍCIA MILITAR - Parte 4




            Não é de hoje que se associam estes quatro elementos da sociedade brasileira, em diferentes associações de idéias, como “a favela e as drogas”, “a favela e a violência”, “a violência e a drogas”, “as drogas e a polícia militar”, ou ainda com três elementos: “a favela, as drogas e a violência”. Pouco (ou nada) se associa na combinação “a favela e a polícia militar”, como se a presença da polícia na favela fosse secundária à presença das drogas, quando na verdade não o é, como veremos nas linhas adiante.
            Mas antes devemos nos detalhar nas definições, separadamente, de cada termo acima.

AS DROGAS (parte 4)

            Droga, segundo o mesmo Houaiss, é “substancia que altera a consciência e causa dependência”, “matéria prima usada em remédios”, ou ainda “coisa ruim ou sem valor”.
            Descartando as duas últimas definições, temos ainda uma infinidade de substancias que “alteram a consciência e causam dependência”, mas somente algumas poucas serão consideradas “ilícitas”, cujo uso será proibido (e aqui cabem outras perguntas: proibida para quem, por quem, e por que?).
            Um antigo chefe de polícia do Rio de Janeiro afirmou, em uma entrevista, que apenas 30% das drogas estavam “no varejo”, ou seja, nas favelas, o restante 70% circulando livremente em apartamentos de luxo, senado, câmara, etc.
`          A espécie humana sempre se drogou, seja mastigando folhas de coca, fumando cigarros de maconha, bebendo chás em rituais religiosos, consumindo ópio (convém estudar a Inglaterra e a Guerra do Ópio), bebendo álcool até não poder mais, e agora com o famigerado “crack”. O lema da juventude (parte dela, obviamente) era “sexo, drogas e rock’n’roll”, e drogas como LSD e outras circulavam (é passado???) livremente em festas da “juventude transviada”. Isso sem falar nos medicamentos calmantes, antidepressivos, ansiolíticos, drogas para inibir o apetite, etc. Só não incluíram no rol das drogas, (e erradamente, segundo os critérios de algumas pessoas), a televisão.
            Mas se a espécie humana sempre se drogou, e se a maior parte da droga consumida no país não está nas favelas, porque é justamente lá que se faz o combate violento?
            Antes de responder, vamos a outra pergunta: porque só 30% das drogas estão nas favelas?
            Ou ainda outra: porque se combate a droga nas favelas com violência, e não com inteligência, simplesmente colocando um veículo policial na entrada de cada uma, coibindo assim seus principais consumidores, a classe mérdia cagona? O governo já deu provas que consegue isso fácil, simplesmente colocando as viaturas na entrada da favela, asfixiando o movimento – fez isso várias vezes, inclusive quando roubaram fuzis do exército, e logo depois “devolveram”, vide reportagem de Raphael Gomide na Folha de São Paulo, de 15.03.2006.

            A Resposta a estas, e também a outras indagações que podem porventura surgir, é a seguinte:

            Sendo a favela o local onde se encontra a maior concentração de negr@s nas cidades;
            Sendo a organização social e política destæs Negr@s a principal arma do povo para o combate a esta burguesia nacional;
            Sendo a Revolução Negra (e proletária, e socialista) o principal motivo de medo da tal elite branca (que controla este país-colônia desde os anos de 1500);
            Sendo a Polícia Militar (antigos capitães do mato) a principal arma utilizada por esta elite para conter a organização d@s Negr@s, e logicamente revoltas e revoluções;
            Sendo a droga uma ótima ferramenta de desestruturação local, uma vez que com sua disseminação afasta os jovens das discussões políticas, além do próprio medo disseminado pelos “chefes do tráfico” (na verdade gerentes de mercados mantidos por empresários bem sucedidos do asfalto);
            Sendo a droga também um ótimo motivo para criar um “inimigo público” (o traficante), que acaba por legitimar toda e qualquer violência cometida por esta polícia (desde que supostamente direcionada aos supostos traficantes);
            A Droga é simplesmente inserida, organizada e mantida nas favelas a fim de justificar a entrada da polícia nestes locais, entradas estas cada vez mais violentas, para que, assim, a organização destæs Negr@s seja cada vez mais difícil, se não impossível.
            Mas não pense que, fora este “ganho político”, não há outros ganhos (financeiros) com tal situação.
            Ganham os traficantes (gerentes provisórios), que, enquanto viverem, (e suas existências terrenas, salvo raríssimas exceções, serão breves), serão os senhores do local, a lei e a ordem, e terão as mulheres que desejarem (e muitas vezes independente da vontade delas);
            Ganham os policiais militares que completam seu soldo (parco ou não, segundo a patente) com o dinheiro do chamado “arrego”. Para melhor entendimento disto, sugiro a leitura do livro “Cabeça de Porco”, onde outro antigo chefe de segurança pública afirma que os postos de policiamento localizados no interior das favelas servem para garantir duas coisas: a segurança d@ usuári@, para que @ mesm@ adquira livremente sua droga (pois se tiver algum problema, elæ pode querer trocar de favela, e isso é ruim); e para controlar o movimento da “boca”, o “entra e sai” de playboys, patricinhas e aviões, sabendo de antemão quanto de dinheiro circulou naquele ponto;
            Ganham os empresários das drogas, pois ninguém, em sã consciência, imagina que um traficante, muitas vezes sem o primeiro grau completo e prisioneiro da própria favela, consegue negociar diretamente com a Beretta, Colt, Winchester, ou qualquer uma das várias fabricantes mundiais de armas (na Wikipédia pode-se encontrar 23 fábricas diferentes), ou ainda ir na Bolívia ou qualquer outro país negociar a compra de maconha ou cocaína. Como disse anteriormente, os traficantes são apenas os gerentes do negócio, como um gerente de supermercado, trocável a cada necessidade;
            Ganham os bancos (ou alguém imagina que todo este dinheiro circula em maletas algemadas e é guardado em colchões?);
            Ganham os donos de lojas de shoppings e bingos, pois grande parte deste dinheiro é “lavado” em lojas vazias de shoppings mais vazios ainda, mas que no fim do mês apresentam um “lucro” considerável. Para quem quer melhor esclarecimento da tática, é o seguinte: um “empresário das drogas” está com cem mil reais provenientes do seu negócio (as drogas). Pega estes cem mil, e diz que foi o “lucro” obtido pela venda de determinada loja. Obviamente pagará impostos sobre este “lucro”, digamos, 15 mil (impostos, aluguel, salários, etc...). Agora, ele tem 85 mil reais “limpos”, declaráveis, provenientes do suposto “movimento” da loja (e não mais 100 mil oriundos da venda de drogas, e como tal, indeclaráveis);
            Ganha o Estado, ao manter a população num estado de insegurança crônico, divulgando a figura do inimigo público (o traficante, e por extensão qualquer favelad@, qualquer Negr@ e qualquer pobre) e impedindo a população de enxergar os nossos principais inimigos, que são o sistema capitalista burguês (que nos domina já há muito tempo) juntamente com toda a cultura racista, sexista e homofóbica desta sociedade.
            Com tudo isto, vimos que, na verdade, a polícia militar não invade a favela com a finalidade de combater traficantes.
A polícia militar invade a favela para disseminar o terror, para mostrar quem é que manda, para desestruturar a organização popular, e também para trocar o comando da “boca”.
            E o tráfico? Este continuará existindo nas favelas enquanto o mesmo for necessário para “legitimar” a atuação desta polícia.


J.J.