sábado, 7 de maio de 2011

Ditadura Militar no Brasil (1964 - 85)


Cap. 1 - Questões internas



- Como vamos começar o trabalho? - perguntou Bia juntando suas folhas.


- Humm, acho que com uma introdução de como a Ditadura teve início. - Júlia disse.


- Tá, pode ser. Você fala e eu anoto. - sorriu.


- Você não sabe como começar não é Bia? - Júlia lançou um olhar de total rejeição para Bia. - Muito bem.. Essa história toda começa quando Jânio renuncia e Jango assume o poder. Como Jango era populista e de esquerda, preocupava aos conservadores brasileiros, como a elite, a igreja, etc; que o presidente fizesse alguma coisa muito drástica. Por isso, já indignados com as propostas de Jango, como as de reformas de base, os conservadores organizaram uma manifestação chamada "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", contra Jango. O governo de Jango se encontrava em um momento tenso e crítico, e no dia 31 de março, tudo isso explodiu. Quando as tropas de Minas e de São Paulo foram para as ruas, Jango saiu do país para evitar uma guerra e isso fez com que os militares assumissem o poder.


- Tá. Então foi isso que gerou o início da Ditadura.


- É. Você pediu pro senhor Sergio contar sobre a ditadura? - perguntou Júlia.


- Aham. Eu filmei tudinho. Toma. - Bia entregou um DVD para Júlia. Elas colocaram a gravação para rodar [...]



- Pronto! Já está gravando. - Bia se sentou no sofá que estava em frente à poltrona em que Sergio estava sentado. - Pode começar.


- Tudo bem... - começou Sergio. Ele tinha a voz rouca e desgastada, o que provava que já a tinha usado muito, e que também era bem velho. Além disso, Sergio era cego de um olho. - Eu nasci em 1943. No ano de 1964, quando a ditadura começou, eu tinha 19 anos. O primeiro militar a assumir o poder foi.. O Castelo Branco.


"A data em que os militares chegaram ao poder é dita como dia 31 de março. Mas eu me lembro.. Eu me lembro que nesse dia, as pessoas ainda estavam caminhando sobre a tênue linha que decidiria seus destinos. E eu me lembro, que foi somente no dia 1º de abril, que essa linha foi cortada.


Para a classe média, aquele foi um dia de festa. Pessoas se abraçavam, choravam e bebiam nos bares, comemorando aliviadas o "fim da desordem".


Mas as pessoas simples, trabalhadores que suavam a camisa para conseguir o pão de cada dia.. Esses estavam com medo. Medo pelo que teriam de encarar dali para frente. E meus pais eram um deles..


Naquele tempo de ditadura, os militares eram diferenciados entre Linha Dura e Linha Moderada. Castelo foi um dos considerados linha moderada. Durante o governo dele, ocorreram várias cassações políticas. Os soldados prendiam milhares de pessoas, dentre elas; intelectuais, professores, alunos, jornalistas e até mesmo ex-presidentes como JK e Jango. Outra figura muito importante na época que foi cassada foi Luíz Carlos Prestes e claro, todos os comunistas. A ordem era silenciar toda e qualquer oposição ao regime militar. Tudo isso, com o total apoio das classes conservadores, inclusive da Igreja.


Com a ditadura, veio também a necessidade de criar novos meios de comandar o país. E isso gerou o nascimento dos Atos Institucionais. O primeiro deles, o AI-1 pôs um fim nas eleições para Presidência e para Governadores, tornando-as indiretas; além disso houve o fim das eleições para prefeitos de cidades estratégicas, porque assim ficava mais fácil para os militares controlarem essas cidades mais importantes, o poder de fechar a qualquer momento que o Congresso Nacional e o fim do pluripartidarismo."


- O fim do pluripartidarismo seria... - Bia interrompeu.


- Depois que os militares tinham feito as cassações políticas de "limpeza", só dois partidos, vamos dizer assim, restaram. Um deles era a ARENA e o outro o MDB, que era um tipo de oposição permitida. Ou seja, eles não representavam nenhum tipo de perigo para os militares.


- Ahhh, entendi. Ok, pode continuar. - Bia afirmou.


- Certo.. Também existiam as censuras. Censuras eram o meio que a ditadura tinha de filtrar as coisas que queriam falar mal dela. Tudo que pudesse difamar o governo de alguma forma, era censurado na hora. Mas, ainda no governo de Castelo, essa censura era mais branda e amadora. Depois, ela fica bem pior...


"Quando não era mais interessante que Médici, um linha moderada, ficasse no poder, ele foi retirado e em seu lugar entrou Costa e Silva, que era um linha dura.


No governo de Costa e Silva, a violência cresceu e consequentemente as prisões, torturas e mortes também se tornaram mais frequentes. Uma das maiores atrocidades cometida durante o governo dele, foi o caso do Édson Luís..


Eu estava lá naquele dia. Estávamos todos comendo calmamente no Calabouço, um restaurante frequentado por estudantes, quando os militares entraram. Estavam fazendo uma procura por, comunistas e pessoas suspeitas. Todos eles estavam armados e nos mandaram fazer silêncio. Claro que o pânico tomou conta do ambiente. Édson Luís era um estudante, assim como eu e meus amigos. Eu sabia dizer que o garoto era novo ali, porque a maioria dos rostos que vemos todos os dias, guardamos. O dele não, o dele era novidade. E foi justo com ele que aconteceu: No momento em que os militares entraram, Édson Luís se assustou e deu um pulo pra se levantar. Quando ele se levantou, um dos militares, que parecia tenso e despreparado, se assustou também..." - Os olhos de Sergio adquiriram um brilho diferente. Uma tristeza que não podia ser definida. Aquela, era a tristeza de uma pessoa que tinha presenciado uma morte inesperada. Naquela época, matar um jovem não era comum. Era algo berrante. - E quando o soldado se assustou.. Ele atirou no garoto, o Édson Luís...


- .... - Bia ficou alguns segundos em silêncio - E... O que aconteceu.. Depois..? - Ela perguntou incentivando Sergio a falar já que parecia que ele estava preso as lembranças do passado.


- Todos ficaram paralizados. Ninguém teve uma reação. Nem nós, nem os militares. Estávamos surpresos e espantados demais por termos visto o assassinato de um jovem completamente inocente. - O brilho nos olhos de Sergio mudaram de triste para indignados e raivosos - Mas nós protestamos. Nós fizemos o possível para que a morte daquele garoto, fosse reconhecida como um absurdo. E que os militares entendessem que isso tinha que parar.


"Mas... reação gera reação. Na missa do 7º dia na catedral da Candelária, os militares tiveram sua vingança. No meio da missa, começou a se ouvir o andar de cavalos. Muitos cavalos. E depois mais um barulho aqui e ali, cada vez mais perto da Candelária. Nisso, o padre interrompeu a missa e pediu para que todos se retirassem com calma porque o óbvio estava provado: eles estavam cercados. Quando o padre saiu, seguido de várias outras pessoas, ele percebeu que não tinha escapatória. A saída tinha sido fechada num caminho em V e as pessoas só conseguiriam passar por ali. A cada grupo de pessoas que saíam, um grupo de militares ia lá para puni-los. E nisso valia tudo. Chutes, pisões, pedradas, tiros.. Tudo. Foi uma confusão terrível. Eu não estava lá naquele dia, mas eu soube apenas pelas histórias e comentários de uns amigos, e pelo cadáver de outros...


E de novo, reação gera reação. Se os militares foram mais violentos, os jovens também responderiam com mais violência ainda. E foi o que fizemos. No episódio que ficou conhecido como Sangrento, estudantes fizeram uma manifestação que terminou com muitas mortes, feridos, presos e viaturas da polícia incendiadas.


Depois de tanta confusão por causa desse episódio, os militares acabaram permitindo que os estudantes fizessem uma manifestação. Essa manifestação foi chamada de Passeata dos Cem Mil por ter sido uma das maiores manifestações da história brasileira. A passeata foi organizada pela UNE, mas contou também com diferentes tipos de pessoas como artistas, intelectuais, etc.


Os militares estavam numa situação crítica e se aquilo continuasse, eles iam acabar perdendo o controle da situação. Se é que eles ainda tinham algum.


Mas nem mesmo com todas essas manifestações e insatisfações populares, os militares pararam. Pelo contrário, eles só ficaram ainda piores. As passeatas e os jovens "desordeiros" seriam silenciados diretamente com as armas de fogo. Não importava o quanto fosse tenebroso ou quantas mortes fossem ser causadas, o importante era, mais uma vez, silenciar toda e qualquer oposição.


Mas os militares precisavam de uma desculpa para lançar sua cartada final. E para isso, utilizaram o caso do discurso de um deputado do MDB, que recomendou que as mulheres não namorassem, casassem ou sequer se relacionassem com militares que estavam envolvidos com as atrocidades da ditadura.


Tendo o caso como pretexto, no dia 13 de dezembro de 1968, que por sinal era uma sexta-feira, o Ato Institucional nº 5, o AI-5, saiu. Ele foi um dos piores métodos de repressão já lançados. Com o AI-5, o militar que estivesse no poder poderia fazer quase qualquer coisa que quisesse, na hora que quisesse. Dentre as várias outras coisas, o AI-5 trouxe consigo: O fim do habeas corpus, suspensão dos direitos e liberdades individuais, poder de invadir casas e prender pessoas sem ter mandatos, a pena de morte, etc.


Quando Costa e Silva saiu do poder por causa de toda a crise política gerada por seu governo, Médici, outro linha dura, assume.


Se a ditadura já era ruim antes, imagina isso em dobro agora.”


- Pôôô! Em dobro?! - Bia se espantou - Tem coisa pior do que o que já aconteceu??


- As pessoas achavam que não, que tudo aquilo já tinha sido demais. Mas os militares conseguiram achar uma forma de piorar. E no caso de Médici foi o que aconteceu. Ele usou muito o AI-5, o que fez da vida das pessoas um caos total. Além disso, as censuras, antes amadoras e brandas, agora eram mais profissionais, qualificadas e claro, mais insuportáveis.


“Com isso, os intelectuais, artistas e outras pessoas contra a ditadura, tiveram que qualificar ainda mais os seus métodos de 'bater na ditadura'. As metáforas se tornaram mais complexas e o duplo sentido das coisas, mais escondido.


A partir daí também começaram algumas medidas para distrair o povo e desviar a atenção da ditadura, para o entretenimento. A Copa do mundo de 70 foi um exemplo disso. Uma das melhores seleções. Quando o Brasil ganhou a copa, a euforia foi grande.


Outra coisa que fez relativo sucesso naquela época e que servia como meio para alienar as pessoas, eram as músicas produzidas pela jovem guarda. Inclusive, tiveram grupos de pessoas que tentaram combater a alienação que essas músicas proporcionavam.


Além disso, também se criou a pornochanchada que descobriu alguns atores e atrizes que estão na fama desde aquele tempo. A pornochanchada também era outro modo de desviar a atenção do povo e aliená-los.


Apesar disso a resistência, até por meio da luta armada, não deixava de acontecer. As pessoas sentiam a repressão. E, principalmente os jovens, lutavam contra ela.


Existiam dois grupos diferentes que lutavam contra a repressão da ditadura militar. Aqueles que pegavam em armas, e aqueles que usavam a 'Luta Cultural', dando porrada na ditadura por meio da música, da poesia, da arte, do teatro, do cinema, etc. Os festivais eram bem populares e eram onde grandes pensadores e artistas mostravam suas obras. A MPB e o Samba eram bastante usados para lutar contra a ditadura também.


Em 1974, Costa e Silva foi substituído por Geisel. Apesar de ser considerado um Linha moderada, Geisel fez uso do AI-5 e por isso, também tinha alguma coisa de linha dura.


Surpreendentemente, o MDB, começou a ganhar muitos votos e a representar um perigo para a Arena. Isso porque durante as propagandas políticas do MDB, os candidatos em vez de fazer sua propaganda política, cantavam músicas, por exemplo. Não uma música qualquer. Músicas que eram usadas na Luta Cultural. E o que começou a acontecer foi que, quem entendia, votava no MDB. Desse jeito, eles foram ganhando muito mais atenção, tanto dos eleitores, quanto da Arena.


E foi aí que Geisel intercedeu, fazendo uso do AI-5, criando a Lei Falcão. Essa lei dizia que durante as propagandas políticas, os candidatos não poderiam.. Fazer sua propaganda política. Uma foto 3x4 do candidato seria mostrada e suas propostas, seriam lidas por um locutor. Isso, claro, foi uma armação. A propaganda eleitoral se tornava chata e maçante, por isso, as pessoas paravam de prestar atenção depois de algum tempo. A armação foi: Todos os candidatos pertencentes à Arena eram colocados primeiro e só no final, quando já não tinha mais ninguém prestando atenção, mostravam-se os candidatos do MDB.


Depois da Lei Falcão, Geisel utilizou novamente o AI-5 e lançou o Pacote de Abril que determinava que a Constituição poderia ser alterada com apenas metade dos votos dos participantes do Congresso e que parte dos senadores passariam a ser escolhidos indiretamente pelas Assembléias Legislativas. Com isso, a Arena ganhou grande vantagem e já tinha sua vitória contra o MDB, garantida.


E em 1978, Geisel decretou o fim do AI-5, principal motivo pelo qual ficou conhecido como linha moderada, e o que causou um alívio geral muito grande. Se ver livre do AI-5, um dos maiores causadores de repressões e medo, era uma felicidade.


Depois do fim do AI-5 e com a saída de Geisel do poder, Figueiredo, em 1979, assumiu o governo.


Ele era linha moderada, e era um presidente muito polêmico. Eu me lembro que ele dizia que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo.."


- Que pessoa bizarra.. - comentou Bia. - E o que aconteceu durante o governo de Figueiredo?


- Ele criou a Lei da Anistia que permitia que políticos, artistas e outros brasileiros exilados, retornassem ao Brasil. Já os militares de Linha Dura continuavam querendo a repressão. E fizeram uma contra-ofensiva: lançaram uma bomba no Rio Centro e colocaram cartas-bombas em órgãos como a OAB, entre outras coisas.


“Naqueles últimos anos da ditadura, grande parte da população fez parte da campanha das 'Diretas Já!' em que garantiria eleições diretas para presidente naquele ano.


Mesmo com toda a euforia, a campanha não foi aprovada e as pessoas ficaram decepcionadas.


Mesmo assim, depois da última eleição indireta, a ditadura finalmente teve um fim."


- Nossa... - Bia suspirou - Ainda bem que as coisas se ajeitaram e a ditadura acabou.


Sergio balançou a cabeça lentamente em forma de negação. - Engano seu. A ditadura pode até ter acabado, mas as coisas jamais se ajeitarão. Vão ficar pra sempre marcada nas almas daqueles que já morreram, e no corpo e coração de quem ainda vive. As cicatrizes da ditadura são tão grandes, que nada parece poder curá-las. - Sergio completou com aquele olhar distante.




Cap. 2 - Questões externas



- Caham - Júlia pigarreou - Então está bem. Só o que falta é vermos qual era a situação externa enquanto a ditadura ocorria aqui.


- Sim. Vamos lá. - Bia se levantou e pegou algumas coisas em seu caderno. As duas estavam estranhamente quietas. A ditadura nunca vai poder ser apagada da memória das pessoas. Foi um período tão tenebroso que não tem mais volta. Isso foi o que Sergio tinha dito. E isso era a verdade que ninguém conseguia não perceber.


- Aqui está Bia. - entregou um papel pra ela - Lê em voz alta.


- Durante o governo de Costa e Silva, os EUA deram um apoio consolidado à ditadura militar. Depois da ameaça de ter o país quase governado por Jango, que poderia levar o Brasil para o lado dos comunistas; era favorável para os americanos bancarem a ditadura para ter um maior controle sobre a situação. Com a Guerra Fria, os EUA não podiam arriscar perder mais algum país, principalmente os que mais chamavam a atenção dele na América, para o socialismo.


"Quando Geisel deixou o poder, os EUA já não estavam mais bancando a ditadura aqui na América. E isso foi um dos fatores determinantes para maiores crises surgirem. Naquele momento, os olhos dos americanos estavam focados no Oriente Médio, por causa do Petróleo e da crise mundial que estava acontecendo em volta dele.


Dessa forma, não só a ditadura no Brasil enfraqueceu, como também todas aquelas que estavam na América Latina e que tiveram o apoio dos EUA, retirados."


- Okay, é isso.


- Terminamos certo?! - perguntou Bia.


- Sim. Agora junta tudo e põe na mochila. Amanhã a gente entrega pro professor.


Um comentário:

Vozes da América disse...

Andressa,
O seu texto foi criativo e tecnicamente muito bom, retrato do seu crescimento e do amadurecimento intelectual. Torço para que você não esmoreça e vá se transformando numa estudante cada vez mais aplicada e num ser humano cada vez mais preocupado com o próximo.