domingo, 31 de março de 2013

A crise no Chipre e o papel da "troika".


O que acontece com Chipre? (1) A pequena ilha no Mediterrâneo, vizinha da Grécia, tem uma história tumultuada de invasões e dominações. Hoje está dividida principalmente entre duas etnias em permanente conflito: 77% dos cipriotas são de origem grega e 18% são de origem turca. No início de 2008, quando os investimentos especulativos mundiais estavam no auge, o país foi aceito na União Europeia. E vale recordar que Chipre tem consideráveis reservas de gás e petróleo que interessam à Europa! As reservas são avaliadas em 3.7 bilhões de barris de petróleo e cerca de 5 a 8 bilhões de pés-cúbicos de gás.
Mas a principal origem da crise cipriota está na sua opção de aceitar essa especulação mundial e se transformar em um dos mais famosos “paraísos fiscais”. O governo de Chipre aceitou sediar grandes bancos internacionais, na maioria bancos gregos, atraindo grande fluxo financeiro. Os bancos gregos usavam o território do Chipre para realizar operações bancárias nem sempre muito lícitas. Também a Rússia passou a operar no país e para lá se dirigiram grandes investidores da “nova oligarquia russa” que investiram na indústria petroleira.
Acontece que o agravamento da crise internacional, principalmente da crise grega, foi fazendo escassear esse fluxo de dinheiro. Os bancos gregos retiraram seus depósitos para tentar salvar a crise de liquidez em suas matrizes e a economia cipriota entra em crise, em 2012. Para piorar, desde o início do problema a União Europeia não deu muita atenção ao que acontecia por lá e a Alemanha via a ilha como irrelevante e incapaz de trazer riscos para o sistema.
O que acontece com Chipre? (2) Como sempre acontece, a receita preparada pela “troika” para o Chipre seria a famosa “austeridade” com supressão de direitos trabalhistas, a redução do emprego e do crescimento econômico visando possibilitar os pagamentos devidos pelos Estados das dívidas contraídas com os grandes bancos. Mas essa receita, agora, esbarrava em um problema que não estava previsto: acontece que o país vive do setor financeiro, turismo e negócios imobiliários que empregam cerca de 70% da força de trabalho nacional.
Estando o setor no centro da crise, esses trabalhadores foram os primeiros atingidos e não tem como tirar mais deles. Atualmente, o setor de serviços representa 80% do PIB cipriota. A agricultura, por outro lado, emprega 8,5% da população ativa e é responsável por apenas 2,1% do PIB, produzindo, principalmente, batatas e frutas cítricas para exportação e alimentos para consumo interno. O Chipre é altamente dependente de importações. Mas, segundo o Banco Central Europeu, seriam necessários 10 bilhões de euros para o salvamento. Qual seria, então, a saída para a crise?
Para a “troika”, nada é difícil! Sem qualquer compromisso com o que é ético, social e humano, eles não hesitam em aplicar os remédios que forem necessários para salvar o sistema, mesmo que levando populações inteiras ao desespero. E a saída encontrada é bem conhecida dos brasileiros e dos argentinos.
Lembram o que fez Zélia Cardoso no governo de Fernando Collor? Lembram do que fez Domingos Cavallo, na Argentina, em 2001 (Governo de Fernando de La Rua)? Pois a solução encontrada para o Chipre foi a mesma: o confisco para todos os depósitos superiores a 100 mil euros até somar mais de 5 bilhões de euros. Em outras palavras, os poupadores terão que enfrentar perdas equivalentes a mais da metade do pacote pactuado com a Troika.
O que acontece com Chipre? (3) Demonstrando total desprezo pela democracia e pelo povo, o “acordo” assinado entre o governo do Chipre e a “troika” dispensa a aprovação pelo Parlamento. A reestruturação da economia do país terá participação direta do FMI, confirmada pela presidente da instituição, Christine Lagarde (aquela que está respondendo a um inquérito na França por corrupção). Enquanto isso, os saques estão limitados a 100 euros por dia para impedir a fuga de capital.
Olli Rehn, comissário europeu para assuntos econômicos e monetários, admitiu que “o futuro próximo será bastante difícil para o Chipre e para seu povo”. “A Comissão [Europeia, parte da troika] fará de tudo para aliviar as consequências desse choque econômico e ajudar a defender as pessoas mais vulneráveis”, afirmou.
O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, peça principal no xadrez econômico do bloco, disse considerar o acordo “justo” e que o setor financeiro será reduzido a três vezes o PIB da ilha. O Banco Popular do Chipre, o segundo maior do país, será dissolvido. Os depósitos abaixo de 100 mil euros serão congelados e transferidos para o Banco do Chipre, o principal da ilha. 
Afinal, o que é a “troika”? Em todas as atuais crises da Europa vemos a interferência da chamada “troika” e suas “receitas” sempre de mais arrocho, mais austeridade e mais recessão. E todos já sabemos que a tal “troika” é composta pelo Banco Central Europeu (BCE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Comissão Europeia. Qual a função de cada uma dessas entidades?
O FMI é a mais antiga das três e foi criado logo depois da Segunda Guerra tendo como principal finalidade estabilizar as moedas dos países para promover o crescimento do comércio internacional, a favor do modelo.
A Comissão Europeia é formada em 1993, com a assinatura do Tratado de Maastricht e a criação da chamada União Europeia (na época formada por Portugal, Bélgica, Alemanha, Espanha, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Áustria , Finlândia e Inglaterra que não adotou o euro). A Comissão é o mais importante organismo da UE e tem diversas funções: propor legislação ao Parlamento Europeu e ao Conselho, gerir e aplicar as políticas da UE, assegurando a execução das regras estabelecidas pelo Conselho Europeu, etc.
O Banco Central Europeu foi fundado em junho de 1998 com a adesão dos onze estados membros que tinham cumprido as condições necessárias para adotarem a moeda única em janeiro de 1999. O BCE estabelece e aplica a política monetária europeia, dirige as operações de câmbio e garante o bom funcionamento dos sistemas de pagamentos.

Ernesto Germano

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