domingo, 25 de maio de 2008

Diário de campo - Um mergulho no dia-a-dia dos hospitais públicos do Rio de Janeiro - PARTE 2

Este texto foi escrito originalmente em Junho de 1996. Porém, sua atualidade é espantosa e tragicamente contemporânea. Isto certamente tem várias explicações sociológicas, mas de uma não devemos fugir: o Prefeito da cidade é o mesmo.


Diário de Campo I
Observação de Campo no Hospital Municipal Salgado Filho, em 06/06/96.


“Bem vindos ao Paraíso!” Foi assim que fomos recebidos pelo Dr. Fábio, chefe Geral da emergência naquele dia, para se referir ao nosso novo locus de trabalho, também já classificado de nomes menos sugestivos ao literalmente proposto, mas próximo a ironia de quem vive o dia-a-dia daquela emergência, como “Bósnia”, “Vietnã”, ou outro qualquer caldeirão em efervescência.
Estávamos lá, eu, Marcelo e Sueli percorrendo em primeiro apanhado geral todo o centro nervoso da emergência. Iniciamos pela enfermagem de pediatria onde tivemos a grata e espontânea colaboração de uma, pouco a pouco revelada descontente, auxiliar de enfermagem. Nildéia veio transferida há três meses do Souza Aguiar, considerado por muitos como o mais complexo e trabalhoso hospital do Rio de Janeiro pelo seus excessivos números de casos e pela sua absoluta falta de recursos, onde trabalhara por 13 anos. Qual não foi minha surpresa quando entre olhares preocupados com as crianças em nebulização, na sala onde conversávamos, em alternância da tonalidade da voz, se posicionava “desambientalizada” com o novo local de trabalho. Apesar de morar perto do hospital e isso ser um atenuante ao desconforto, ela insistentemente marcava como diferença fundamental a “falta de calor humano” que ali imperava em detrimento do Souza Aguiar, numa para mim, clara alusão a falta de solidariedade entre os profissionais de saúde daquele hospital, que se transformava para ela como implicador à sua permanência, falando inclusive em retornar para seu hospital, digamos, de “origem”. Mas acredito que o que de mais importante ela nos forneceu, foi o que até aquele instante era uma grande impressão, mesmo que calcada nas mais explícitas ações observáveis por qualquer transeunte pouco desapercebido: a triagem dos que serão e dos que não serão atendidos pela emergência no Salgado Filho, seria feita por profissionais de Segurança, e terceirizados pelo sucateamento do serviço público: “Eles foram treinados para tomar conta de patrimônio. Cumprem um papel que não é deles, por interferência do hospital, e acabam por não tomar conta do patrimônio”. Óbvio que isso não nos é suficiente para afirmar com precisão o grau de influência e poder desses profissionais, mas com certeza nos abre flancos para aprofundar tais relações, o que avalio ser de suma importância para a pesquisa.
Prosseguimos passando para a sala de internação de pediatria, onde travamos contato com uma enfermeira cuja identificação perdemos, mas que nos falou comovida de um caso de atropelamento de uma criança no domingo, atendida pela equipe que fazia parte, que deixou o plantão com o caso aparentemente controlado, mas fora surpreendida com o óbito desta criança ao chegar ao hospital. Chegou a falar em “negligência”. Fui remetido de pronto as últimas falas do primeiro encontro com a auxiliar de enfermagem Nildéia, que dizia “no caso de acidentes graves não é bom procurar o Salgado Filho, mas sim o Souza Aguiar”. Dado interessante não só pelo visível, mas também pelo subjetivo, já que parece possível haver um certo “xodó” por parte daqueles profissionais de saúde que vestem a camisa do hospital que trabalham e gostam. E acredito ainda que o fator “negligência” nos será também outra constante a ser perseguida, uma vez que será impossível nos deparar com os casos de óbito sem deixar vir à cabeça tal preocupação.
Os setores mais pesados, que hão de nos dizer mais a respeito, são a UPT - Unidade de Politraumatizados, e o PS - Pronto Socorro. A primeira vista, além de assustador me pareceu um tanto confuso, já que em meio de politraumatizados de toda espécie, óbitos, PAF’s... encontra-se também intoxicados, casos clínicos graves como pneumonia, etc. Esses dois setores merecerão olhares atentos e minunciosos, pela aparente complexidade de elementos objetivos e subjetivos que exploraremos em novas visitas, pois não acredito ser fácil, por exemplo, para o paciente - trauma - do leito 6 da UPT, ter que se encobrir para não ver o esforço concentrado no leito 1 em um idoso caso clínico que acabou por ir à óbito. Só não será possível nem para o leito 6 nem para os demais leitos evitar o sonido da voz : “vamos fazer o pacote” ou “vamos puxar ele”.

4 comentários:

Anônimo disse...

Rooseveltt!

Como vc pediu... to passando p/ dizer q adorei o seu blog e qnd começo a ler não consigo mais parar!
Me tornarei uma leitora constante.
Espero q vc poste sempre algo novo!

bjus Bia.

Wallace Camargo disse...

América, não invoco o teu nome em vão,Quando sujeito ao coração a espada,quando aguento na alma a goteira,quando pelas janelas um novo dia teu me penetra,sou e estou na luz que me produz,vivo na sombra que me determina,durmo e desperto em tua essencial aurora:doce como as uvas,e terrível,condutor do açucar e o castigo,empapado em esperma da tua espécie,amamentando em sangue de tua herança. (Pablo Neruda-Canto Geral)

Wallace Camargo disse...

Russo, até quando seremos governados pela pior espécie de seres vivos! Picaretas que assassinam milhões todos os dias negando-lhes o essencial,o básico, como saúde e educação! Façamos da letra o nosso gatilho, até que um dia o povo nos livrará deste sistema corrompido!

Saudações Socialistas!

=) disse...

Rooseveltt =)

passei pra ver os SÍTIOS que você deixou , e li alguns artiigos ,tá certo que uns são cansatiivos, e outros tem que ler com dicionário por perto , mas tá tranquilo .
sempre que der, venho aqui ver :D

beijãao