sábado, 5 de julho de 2008

Você tem fome de quê? Entre os miseráveis e a classe média. Viva os urubus!

Uma das maiores preocupações de nosso tempo é o lixo. A cada dia milhares de toneladas do resto que não aproveitamos mais, ou simplesmente desperdiçamos mais, é despejado fora. Nos grandes centros urbanos os lixões representam um grande desafio para o poder público. Ao mesmo tempo que não sabemos lidar com aglomerados de sobras apodrecidas de todos os tipos, as populações mais pobres mergulham nesse sub universo e retiram dali aquilo que esnobamos.
O resultado social desta mazela é catastrófico. As urbes se enchem de restos e os restos enchem a barriga de quem vive a margem do desperdício. As autoridades fingem que isto é fruto dos tempos modernos e nós fingimos acreditar que a luta entre crianças e urubus é aceitável. Mas, ao largo desta realidade, o planeta não consegue mais fingir que a terra dá conta do lixo.
Porém lixo é também, no sentido metafórico, resto, sobra, aquilo que não presta para consumo humano, agressão ao paladar e ao olfato, putrefação. Lixo é excesso, produção em massa, volume de aberrações impróprias para a saúde cultural de um povo. E, igualmente ao outro tipo de lixo, o resultado desta mazela também é devastador. As cidades globalizadas e, em especial, os produtores deste tipo de lixo se enchem de glórias por fazerem menos que o óbvio e ser isto o suficiente para alistar um exército de mortos-vivos que “sai do chão” ao primeiro comando bahiano, ou ainda, “bata bundinha” fingindo-se “cachorra” ou “preparada”, ou ainda se emocionando com rimas paupérrimas onde coração se encontre com paixão e amor com dor, bastando isto para que se ganhe discos de platina num tedioso programa dominical, seja ele apresentado com sotaque paulista no Rio de Janeiro ou sem sotaque paulista em São Paulo.
Há duas coisas que o volume de lixos produz: uma é o chorume, líquido advindo do processos, somados com a ação da água das chuvas, se encarregam de lixiviar compostos orgânicos presentes nos aterros sanitários para o meio ambiente. Esse líquido pode resultado das misturas dos restos que não consumimos, era inicialmente apenas a substância gordurosa expelida pelo tecido adiposo da banha de um animal. Posteriormente, o significado da palavra foi ampliado e passou a significar o líquido poluente, de cor escura e odor nauseante, originado de processos biológicos, químicos e físicos da decomposição de resíduos orgânicos. Esses atingir os lençóis freáticos, de águas subterrâneas, poluindo esse recurso natural. A elevada carga orgânica presente no chorume faz com que ele seja extremamente poluente e danoso às regiões por ele atingidas. Dá-se o nome de necrochorume ao líquido produzido pela decomposição dos cadáveres nos cemitérios, composto sobretudo pela cadaverina, uma amina (C5H14N2) de odor repulsivo, subproduto da putrefação.
O outro resultado proveniente do lixo é o barulho, subproduto altamente tóxico que, pode aparecer no formato funk (fãnque), axé music (axé musique), pagode criuolouro, sertaneja ou nos formatos anglo-saxões indecifráveis para a maioria da população que mal fala seu próprio idioma.
O barulho produzido por este tipo de lixo é vergonhosamente incentivado pela mídia-urubu, que se refestela sob o nosso cadáver putrefato pelo consumo indiscriminado deste tipo de, perdoem-me, “música”. Comum ver mulheres voltando ao estágio puramente objeto-sexual, condição que a sociedade machista impôs ao longo de milhares de anos e que algumas destas fêmeas, num ato de puro devaneio subversivo, ousou quebrar nos idos anos sessenta. Mas agora parece que “tá dominado, tá tudo dominado” novamente e para o bem do status quo masculino, a manutenção de sua imutável ordem.
Não há classe social definida para o consumo deste lixo letal, o que se sabe é que nas montanhas de lixos culturais que nos empurram reside uma democracia imbecilizante, pois todos, indiscriminadamente, pobres e ricos, negros e brancos, homens e mulheres se acotovelam para consumir o resto que destinaram para nos “educar”. Nutro uma grande admiração pelos urubus que, pelo menos neste caso, são seletivos.
A cultura de massa que enxovalha nossa dignidade é altamente perigosa, pois tem o poder de um Midas ao contrário, pois tudo que ela toca vira lixo e se formos por este raciocínio, estaremos respondendo uma das maiores indagações filosóficas de todos os tempos: o “para onde iremos?”, uma vez que necessariamente pararemos no Faustão, no Gugu, no Fantástico, ou num baile da Furacão 2000. Triste destino da humanidade... onde está o cataclismo nuclear? Onde está o choque da Terra com um grande cometa? Onde está o nosso fim, que serviria ao menos para nos redimir?
No caso do chorume, já há alternativas. A Alemanha, país europeu com a mais rígida regulamentação ambiental, tem inúmeras usinas a base de gás butano, num aproveitamento de quase 90% do lixo produzido naquele país. Esse é o futuro! E assim estaremos salvos!
No caso do fanque, axé musique, pagode crioulouro, sertaneja e outros drogas do gênero, a solução é mais distante, por simples que pareça. Em tese basta usar o “poder”, botão que consta na maioria dos controles remotos de aparelhos de TV e som, geralmente atende pelo nome de “power”, sempre que um programa imbecil estiver te tratando assim, como tal. Mas na realidade é muito difícil, pois a droga costuma transformar a morte em liberdade e faz deste meu discurso o ridículo. Assim estaremos mortos!
Tudo bem, talvez eu morra primeiro, talvez reme contra a maré, talvez seja insano o papel que faço aqui, talvez você nem leia isto que eu escreva (afinal este texto contém mais de dois parágrafos e para quem está contaminado com a ignorância, o tamanho de um texto é medido por milímetros); mas tenho algumas armas que não abro mão de usar agora: o fato de saber que o que eu consumo é consciente; que não me viciei em lixo e não será atolado nele que morrerei; que o gosto musical que tenho não é o melhor, pois isto é passível de boas discussões, mas está acima do chorume barulhento que rasteja para as entranhas da terra contaminando os seres vivos por onde passar; que sei que tenho o poder de mudar o que entenda e sobretudo, de fazer de mim algo que me orgulha quando olhar no espelho; a compreensão de que as mulheres são seres cerebrais, portanto indignas de diminuídas a uma bunda morena e outra loura onde o “chão” é o limite.
Pisamos todos os dias em chorumes, mas somos nós mesmos o necrochorume materializado. Produzimos desperdício, lixo que irá sufocar o planeta, mas suamos cadaverina quando balançamos nossos esqueletos descerebrados ao som de algo que não valha a pena qualificar como música. Devemos nos acostumar com o odor nauseante e virarmos nós mesmos subprodutos do lixo ou lutarmos contra o senso comum e sua geradora a grande mídia urubu? Responda você mesmo, se tiver coragem.

9 comentários:

Anônimo disse...

Rooseveltt,muito bom o texto.

Creio sim q hj somos altamamente agredidos com lixos q se botam no papel de "cultura",porem acho q essa situação pode sim ser revertida,através da educação onde cada um terá condições de optar, e não mais sofrer um processo osmótico de auto-adaptação.
Mas creio tambem q nem tudo q seja autamente divulgado hj seja digno de ser classificado como lixo,são poucas coisas mais ainda existem.
abraços

Anônimo disse...

Fala ae rooseveltt, tenho lido os teus textos desse blog e esse eu resolvi comentar.
Porra cara, na televisao aberta nao tem cultura nenhuma e na tv a cabo eh muito difícil achar! As vezes pego as minha irmas vendo umas coisas ridiculas como seriadinhos estadunidenses imbecis, programas de fofoca estadunidenses aparecendo quanto custou o vestido de cada celebridade, uma familia de garotas milionárias indo ao cabelereiro e comprando roupas com preços absurdos etc.
Na tv a cabo soh tem tres canais q dao pra assistir, q sao:
globo news;
discovery chanel(tirando alguns programas como os de carros feios pra caralho e q nunca compraremos e os programas q exaltam os eua, como armas do futuro etc);
e national geografic.
Tem um canal q soh fala dos eua, o history chanel, toda vez q eu ligo naquela merda tah passando um programa de armas dos eua ou das guerras q os eua ganharam, poucas vezes vi um programa q preste nesse canal e o resto eh "lixo" como vc disse!
a questao musical do nosso país, e do hip-hop dos eua(este ridiculariza a mulher (negra) e eu acho q ateh mais q o funk brasileiro), o pop ou o pop-rock , estah deprimente mesmo. Pior q o lixo q jogamos fora e despresamos eh o lixo cultural. Nego escuta essas porras e assumem mesmo q ouvem, culpa da globo e da band q quando o funk era o mvimento contra a opressão da policia no morra, contra a desigualdade eles não divulgavam e foi soh surgir o “bonde do tigrao” e “lacraia e serginho” q eles jogaram no luciano huck e ateh playboy da z.s escutam funk!
Queria te agradecer por fala do rock’n roll na aula, pq quando eu falava pro mlkes ninguém acreditava e como eles ouvem uq vc fala agora acho q eles respeiarao mais o rock’n roll.
Ah.... queria saber se vc jah viu aquele documentário “estamira” que eh sobre aquele aterro sanitário q tem aqui no rio. Eu baixei esse documentário, mas meu computador quebrou e eu não pude ver to tendo q entra pelo computador do meu pai. Fala por aqui mesmo ou no colégio se c gostou.

Abraços, Sansão!

Anônimo disse...

Muito bom! Eu passei parte da minha adolescência tentando mostrar pessoas pra que existe cultura alternativa, mas tudo o que elas faziam eram rir, ou debochar do "diferente",afinal, "legal é ser como a maioria.

Não sei os fatores psicológicos que levam à uns poucos terem a curiosidade de procurar o diferente, se interessar. Mas sei que é a minoria.
E atualmente, está na moda entre os posar de descolado...então até na contra-cultura já há padrões, modas, ignorância.
Já surge um esboço de algo como "Contra-contra-cultura"

Mas a minha geração...não entendo. Não sei como se tornam isso, não sei como o mundo se tornou isso.
Não mesmo.

Aline Montenegro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Aline Montenegro disse...
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Aline Montenegro disse...
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Aline Montenegro disse...

Rooseveltt e Patrícia, achei muito bacana esse espaço de reflexão que vocês criaram. Parabéns pelo conteúdo e pela qualidade dos textos. É a primeira vez que entro aqui e estou gostando de pensar sobre as questões que vocês colocam.
Eu tive coragem e vou me arriscar a fazer um comentário menos pessimista em relação à questão cultural que vocês colocaram. Posso estar sendo limitada nas minhas idéias, mas vou falar sobre movimentos que venho observando há alguns anos.
Em primeiro lugar: eu acredito mais na força das pessoas para impor o que elas querem do que no poder imbatível da mídia. O grande problema é que a maioria da população, infelizmente, gosta mesmo do lixo, seja por opção ou pela falta dela. E é por isso que a mídia massifica o lixo.
O funk, por exemplo, é um movimento muito antigo e que durante muitos anos ficou restrito aos morros e aos guetos. Foi a força desse movimento, das pessoas que gostam desse estilo musical que fez a mídia se render ao "fanque", percebendo que ele poderia trazer lucros e agradar a um maior número de pessoas, de outras classes sociais. E foi assim que o funk ganhou espaço e perdeu sua essência ao fazer apologia ao sexo e à violência.
De outra parte, posso citar o samba. Sufocado entre morros, terreiros, quadras e botecos, sempre associado à coisa de preto, de pobre e à macumba... No entanto, hoje é possível perceber que o samba de qualidade ganha espaço na cidade, na mídia e no gosto popular. A cada dia surgem programas de rádio dedicados ao gênero; as casas de samba lotam todos os finais de semana; as escolas de música, asssim como as oficinas de pandeiro e cavaquinho têm cada vez mais alunos...
O último episódio que me emocionou muito foi ir a um show do Paulinho da Viola no Circo Voador e quase não ter chão para pisar, de tão cheio que estava. Eram jovens, adultos e velhos que cantavam TODAS as músicas do grande Paulinho, até aquelas menos conhecidas... isso se deve a quê, ao poder da mídia? NÃO! À força das pessoas que gostam de samba!!!!
Se a mídia hoje se curva ao samba, pode ter certeza de que a responsabilidade é daquelas pessoas que nunca deixaram o samba morrer!!!! E é Teresa Cristina, Diogo Nogueira, Casuarina, até Ivete Sangalo cantando samba.
Por isso, eu acredito que se a galera quiser, não tem axé, como o "pagode mauricinho" que agoniza, como muitas novelas já terminaram antes do tempo por falta de audiência...
Um beijo grande
P.S.: Só um esclarecimento: não quis dizer que a mídia não exerce influência sobre a população. Ela influencia os gostos, os hábitos e forma opinião, sim. No entanto, não acredito que a população aceita passivamente e diz amém a tudo que a mídia oferece. Acho que as pessoas também influenciam a mídia com suas preferências, suas modas, fazendo, às vezes, a mídia se render às suas vontades. É uma via de mão dupla. Quanto mais as pessoas conhecerem, mais a mídia se qualifica... Afinal, o que é o Cordel do Fogo Encantado e Comadre Fulozinha na trilha sonora de filmes de sucesso como "Deus é Brasileiro" e "Lisbela e o prisioneiro"? E o Gonzaguinha na abertura de uma novela das 8????
Como trilha sonora para essa discussão proponho a música do Tom Jobim e do Vinícius de Moraes "O morro não tem vez", mas na versão instrumental do grupo "Tira Poeira". Vale à pena

Anônimo disse...

O funk começou como um movimento dos pobres da favela, mas foi o funk vulgar q a mídia investiu q fez sucesso.Um exemplo simples é o rap estadunidense que as letras abordavam a opressão que os negros sofriam e as questões sociais.Se tornou nesse lixo de hip-hop.

Anônimo disse...

Seus textos são maravilhosos e sempre me fazem refletir sobre o nosso mundo. Sinto que me torno uma pessoa cada vez mais conscientizada, e consequentemente melhor.

Te adoro, Rooseveltt!

Beijos