terça-feira, 6 de abril de 2010

Memórias de uma pedra

Eu não sei bem quando nasci, mas parece que na última sexta-feira, 02 de Abril , alguns cientistas reproduziram meu nascimento em laboratório, naquilo que ficou conhecido como “big bang”, fato que no mínimo questiona a ideia dos humanos de existir um Ser supremo criador de tudo, inclusive de mim.
Ao longo da história fui arma e fui devoção. Servi a vários povos como instrumento de exércitos, arremessada por braços fortes ou por tecnologias como atiradeiras ou catapultas. Fui ligação entre os homens e seus deuses e depositada em oráculos como se divindade eu fosse.
Fui brincadeira de criança, de jogo de amarelinha a resta um e ai ganhei o bucolismo que sinto saudades enquanto os desgastes de meus grossos cascos se acumulam nos cantos por onde passo.
No Brasil, aceitei o papel de coadjuvante para as frágeis garrafas de vidro, quando o povo foi às ruas protestar contra o Imperador D. Pedro I na “noite das garrafadas”. Mas fui preponderante nas manifestações estudantis das décadas de 60, 70 e 80 no mundo todo e me realizava quando me arremessavam nas portas do Mac Donald’s ou na embaixada dos EUA e, no estilhaçar dos vidros no chão, delirava ao ouvir os gritos racionalmente ensandecidos da juventude que acreditava transformar o mundo. Fui várias vezes arremessada nos carros de reportagem da Globo, n0 final da década de 80 aos gritos de “o povo não é bobo, abaixo a rede globo”.
Fui protagonista de poeta que me viu no meio de caminho e teve a honradez de não me chutar. Fui tema de movimento musical de uma juventude que não via razão de deixar pedra sobre pedra em era de guerra fria.
Mas desde os primórdios, quando a fricção entre duas de mim atiçavam o fogo, até hoje, de tudo que vivi e representei, o que mais me dói é ser símbolo de um povo que ninguém escuta. É ser a “bandeira” de uma nação sem pátria, é viver vendo outras de mim desabar no formato de casas que já não mais protegem, são escombros. È estar nas mãos de uma criança que me segura com um ódio ancestral e não a um lápis para escrever a história de um povo que de tanto amar, se reconhece, se admira, se cultua... Palestino.

Nenhum comentário: