domingo, 11 de dezembro de 2011

Sócrates, companheiro imprescindível...

Escrevo para os mais jovens, para aqueles que nasceram da década de 90 em diante e não viram o maior movimento político dentro do mais popular de todos os esportes mundiais: a Democracia Corinthiana.
O Brasil viveu no início dos anos 80 um tempo de grande instabilidade política. A ditadura caía de podre, mas insistia em não largar o osso, até porque precisava afinar a estratégia (que infelizmente foi bem sucedida) de sair do governo e continuar no poder. O fato é que, naquele momento - 1980, 81, 82, 83, não se sabia se de fato haveria uma redemocratização brasileira. Por um lado os movimentos oposicionistas ganhavam força, as greves no ABC paulista que revelaram Lula e o PT (naquela época um partido combativo, socialista e popular, muito diferente dos dias em que vivemos). Por outro, os militares de linha dura jogavam bombas no Rio Centro e enviavam cartas bombas à OAB, numa tentativa de forçar a sociedade a ter medo da insegurança da democracia e levá-la a apoiar o recrudescimento de um regime autoritário.
Neste cenário, no clube mais popular do Brasil (assim como o Flamengo), o Corinthians, nasceu a DEMOCRACIA CORINTHIANA. Graças a uma série de relações internas como a saída do Presidente Vicente Matheus e a subida à Presidência do Corinthians um grupo que optou por uma gestão participativa, a conjuntura política brasileira que vivia a campanha das Diretas Já e a junção de jogadores privilegiados do ponto de vista da consciência dos seus papéis sociais, não só como profissionais do esporte, mas como cidadãos. Vladimir, Biro Biro, Casagrande, Zenon e sob a liderança do inesquecível Sócrates.
Todo meu respeito ao maior cérebro que vi jogar: Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira morreu no dia 04 de Dezembro de 2011 e deixa uma imensa lacuna dentro do futebol. Primeiro se formou em medicina, depois foi jogar futebol, já com 24 anos, idade que hoje consideramos "velha" para começar um esporte de alto nível.
No Corinthians encontrou um grupo que nunca mais tivemos o privilégio de ver de novo, que contestava não só a ditadura militar brasileira, mas que também ousou fazer daquele clube um local de decisões colegiadas, onde o auxiliar do roupeiro tinha o mesmo peso, voz e voto do que o Presidente do clube. Eram eles, todos eles, que decidiam salários, pensavam em contratações, discutiam a necessidade ou não de se concentrarem antes dos jogos, votavam quem deveria ser titular ou reserva, enfim, fizeram daquele momento e daquele clube a maior experiência coletiva e organizada do Brasil nas barbas dos tiranos, tanto do país quanto da tradicional e ascendente máfia do futebol.
Foram campeões paulistas em 1982 e 1983, influenciaram toda uma geração de atletas e torcedores e deixaram o legado que se a sociedade se organizar, outra sociedade será possível de ser montada. Isto assustou muita gente. Fora do clube o exemplo da Democracia Corinthiana poderia se espalhar, chegar nas escolas, nas Universidades, nas fábricas... E dentro do futebol poderia levar ao fim do monopólio de meia dúzia de cartolas mafiosos e seus comparsas dos meios de comunicação preocupados em formar idiotas para consumirem bola e não da bola fabricar consciência.
Sócrates era perigoso. A Democracia, a verdadeira, a popular e coletiva é perigosa.
Sócrates, Vladimir e Casagrande participaram ativamente do movimento das Diretas Já e num dos comícios, o líder desse movimento chegou a dizer que se a Emenda Dante de Oliveira (Diretas Já) não fosse aprovado ele sairia do Brasil. Perdemos todos. A Emenda não foi aprovada, a ditadura seguiu até 1985, só votaríamos para Presidente do país em 1989 e Sócrates foi jogar na Itália.
O Corinthians aproveitou para vender todos os jogadores "perigosos" e contratou um monte de acéfalos, destes que conhecemos bem, que se juntaram a ideologia conservadora que predomina no mundo do futebol e que naquele clube tinha o goleiro Leão, hoje técnico do São Paulo, como representante dos reacionários.
Acabou a Democracia e o Corinthians virou um clube perverso como todos os outros, que tratam jogadores como comandados, técnicos como comandantes e patrocinadores como deuses. O resultado está aí: O Corinthians/CBF foi campeão brasileiro ironicamente no dia da morte do mais importante jogador de sua história política, como se ensinasse que a morte física do homem é a metáfora da morte do futebol-consciência que pode transformar. Pois se as torcidas organizadas soubessem do poder que têm, do palco semanal que possuem, se se associassem a outros movimentos populares, se exigissem democratização e não caíssem nas mãos assassinas das diretorias autoritárias, o futebol iria se orgulhar de ser de fato e de direito a mais popular de todas as manifestações coletivas no Brasil.

Obs.:
O agradecimento aqui é extensivo a dois outros jogadores que antecederam a geração de Sócrates, mas que também foram destes raros, que aliaram suas técnicas ao pensamento crítico: Alfonsinho - Santos e Reinaldo - Atlético-MG.
Que venham outros, que venham mais!

Chico Baeta

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