quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Tempos bicudos

Que tempos bicudos são estes...
Um avião cai na selva colombiana e desperta um mar de solidariedade no mundo inteiro. Dezenas de homenagens inundaram como lágrimas nossos olhos e nos fizeram acreditar num outro mundo possível. O futebol, geralmente associado a um "simples" e rentabilíssimo produto, frio e monstruoso como tudo aquilo que o capitalismo se apropria, se transformou num profundo mergulho para dentro de nós mesmos, onde encontramos nossa fragilidade, nossa mortalidade, nossa mesquinharia, nossa absoluta irrelevância enquanto seres vivos, capazes de morrer por um sopro qualquer. A Colômbia, em especial Medellin, país e cidade marcados pela ditadura do narco tráfico, em colaboração generosa com governos canalhas e impérios oportunistas, sobrepôs qualquer expectativa e deu uma demonstração de unidade latino americana.
Enquanto isto era abundantemente exposto nos jornais de todas as espécies, na calada da noite e sobre a penumbra desta mesma imprensa, o Senado brasileiro aprovava a PEC 55 (na Câmara PEC 241) e impunha em nome de um pseudo ajuste fiscal um corte nos investimentos na educação e na saúde por 20 anos. Nós, com os olhos marejados pelo que exala da selva colombiana e devidamente sonegados dos acontecimentos de Brasília, não assistimos os Deputados fatiarem os 10 pontos para se controlar a corrupção, cujas mudanças fazem virar lei a prática de corromper e ser corrompido. E o pior... as notícias ruins não param.
Neste mesmo momento, a Reforma do Ensino médio devolveu a artes e a educação física o posto de importância que nunca deveriam ter sido questionado, mas transformaram o que queriam de fato: sociologia e filosofia passaram, pelo novo texto, a serem optativas. Não bastasse isso, o texto modificado fala de mudanças já para o primeiro ano do ensino médio e não na metade desta fase de formação, o que já seria muito complicado.
A solução que as pessoas que pensam com o intestino dão a este mar revolto não poderia ser diferente. É  igualmente simplista e intestinal: ir às ruas com a bandeira do Brasil, gritar "sou brasileiro com muito orgulho e muito amor", cantar o hino nacional, tirar foto com a polícia que mais mata e mais morre no mundo, pedir intervenção militar e culpar como problema único e emblemático a corrupção. Lembremos que todos os fascistas de todos os tempos históricos elegeram a bandeira da corrupção para chegarem ao poder. Lembremos que o Congresso Nacional não é composto só  por corruptos e que a corrupção não é o pior dos males que temos hoje no Brasil: A PEC 55, a PEC 241, a reforma do ensino médio tal como este governo a quer, a lei da mordaça travestida em "escola sem partido", o fechamento das escolas públicas, a invenção maldita das O.Ss. no serviço de saúde pública, a flexibilização do Pré Sal e consequentemente a entrega das riquezas do país ao capital estrangeiro, as propostas de mudanças nas leis traballhistas, as mudanças previdenciárias, a criminalização dos moviementos sociais, o abuso de autoridade policial e jurídica nas favelas, o sucateamento das escolas e universidades públicas, o baixo salário pago à segurança pública... tudo isto faz parte de uma política pensada, arquitetada, planejada pelas elites nacionais em parceria com as elites internacionais para controle total da oitava economia do mundo e de um povo que, ainda que por vias questionáveis, conhecia avanços sociais e apenas isto, ameaçava a tranquilidade secular dos coroneis que reinam o Brasil como se fossemos colônia. Este elenco rápido de pauta trás muito mais prejuízo que a pauta única que tentam nos fazer crer da "corrupção". Esta porém é de fácil entendimento e digestão.
O estado de coisas que vivemos hoje não foi forjado nos últimos 10 ou 15 anos... Se quem pensa com o intestino conseguir elevar o pensamento ao cérebro, refletirá que a ditadura civil e militar de 1964 nos deixou rombos financeiros terríveis (tínhamos uma dívida externa de 2 bi dólares e passamos para 89 bi dólares), mas as dívidas sociais são as grandes marcas deste regime: a violência estatal promovida por uma PM que aprendera técnicas de torturas que até hoje utilliza, a entrada do narcotráfco organizado na década de 1960/1970, escandalosos crimes de corrupção como Abi Akel, Coroa Brastel, Maluf..., a imprensa vendida e amordaçada que hoje continua sobre os mesmos controladores e, portanto, vendida e amordaça para seus interesses corporativos e ideológicos, o custo social sem valor quantitativo para mensurar que consolidou Sarneys no Maranhão, Collor de Mello em Alagoas, Cavalcantis no Ceará, Magalhães na Bahia, Votorantins e vulcabrás em São Paulo e a história de concentração de renda e pulverização da pobreza parece não ter fim. Este é o "legado" dos anos de chumbo que aparecem como soluções nos brados de ignorantes ou mal intencionados.
Os olhos que hoje são janelas para a emoção que vem de todos os cantos e que não param de ver beleza na solidariedade e tristeza na dor, precisam estar também atentos para os desmonte do estado brasileiro e a catástrofe que significa. Que a resistência do índio Condá nos inspire para lutar por uma sociedade justa e fraterna, nos direcionando para soluções distantes do autoritarismo militar de inspiração fascista.

Chico Baeta

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