segunda-feira, 19 de março de 2012

Primeira ação contra agente da Ditadura.



Na quarta-feira (14), o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com a primeira ação penal da história do país contra um militar acusado de praticar crimes durante a Ditadura. O denunciado é um dos carrascos mais odiados por torturados, familiares dos desaparecidos políticos e militantes dos direitos humanos: o coronel da reserva do Exército, Sebastião Curió Rodrigues, comandante da última ação de repressão à Guerrilha do Araguaia, a chamada Operação Marajoara, deflagrada em outubro de 1973.
Na denúncia, Curió é acusado de seqüestro qualificado dos guerrilheiros Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeira Corrêa (Lia), ocorridos entre janeiro e setembro de 1974. Conforme depoimentos e informações colhidas pelo MPF, todos eles foram capturados pelas tropas comandadas pelo então major Curió, presos em bases do Exército e submetidos à tortura. E nunca mais foram encontrados.
“Como as vítimas nunca foram localizadas, esses crimes não estão sujeitos nem a prescrição e nem à Lei da Anistia, porque continuam acontecendo”, afirmou o procurador de São Paulo, Sérgio Suyama. Ele garante que a tese defendida pelo MPF, embora inédita, está baseada em jurisprudência criada pelo próprio STF, que, com o entendimento de que o sequestro é um crime permanente, determinou a extradição de dois militares argentinos, acusados de crimes cometidos durante a ditadura militar daquele país. Na Argentina, ao contrário do Brasil, a Lei de Anistia foi revogada e mais de 800 militares responderam ou respondem judicialmente por seus crimes.
Juiz rejeita denúncia contra Curió. E ainda querem que a “justiça” seja levada a sério? O juiz federal João César Otoni de Matos, de Marabá (PA), rejeitou no início da tarde desta sexta-feira (16) denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel da reserva Sebastião Curió, pelo crime de sequestro qualificado contra cinco militantes capturados na guerrilha do Araguaia na década de 1970. O MPF informou que vai recorrer da decisão. Pela manhã, a ONU divulgou comunicado em que pede que o Judiciário brasileiro leve à frente a denúncia contra o coronel.
O juiz ponderou que os procuradores não apontaram “documento ou elemento concreto que pudesse, mesmo a título indiciário, fornecer algum suporte à genérica alegação de que os desaparecidos a que se refere teriam sido – e permaneceriam até hoje – sequestrados”. João César Matos acrescenta ainda que, mesmo se o sequestro fosse admitido, a pretensão punitiva já estaria prescrita, ou seja, o Estado não poderia mais puni-lo. Isso porque, segundo o magistrado, “diante do contexto em que se deram os fatos e da extrema probabilidade de morte dos desaparecidos, haveria mesmo de se presumir a ocorrência desse evento morte.”
O advogado Adelino Tucunduva, que atua na defesa do coronel da reserva do Exército Sebastião Curió, elogiou (é claro!) a decisão: “A decisão não é diferente do que esperávamos. Se por um lado existem procuradores afoitos, por outro há juízes com os pés no chão”.
Investigações podem levar militares ao banco dos réus. No esforço de investigar violações cometidas no regime militar sem esbarrar nos limites impostos pela Lei da Anistia, o grupo de trabalho "Justiça de Transição", composto por procuradores da República, deverá trabalhar com a tese dos crimes permanentes, como a ocultação de cadáveres.
A tese pode ajudar no esclarecimento de crimes que há décadas estão sem resposta. De acordo com o livro “Direito à memória e à verdade”, publicado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos do governo Lula, 475 pessoas morreram ou desapareceram por motivos políticos naquele período. Oficialmente, cerca de 140 pessoas ainda continuam desaparecidas - o que sustenta o argumento de que os crimes de ocultação de cadáver ainda persistem.

Ernesto Germano

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