Na quarta-feira (14), o Ministério Público Federal (MPF) ingressou
com a primeira ação penal da história do país contra um militar acusado de
praticar crimes durante a Ditadura. O denunciado é um dos carrascos mais
odiados por torturados, familiares dos desaparecidos políticos e militantes dos
direitos humanos: o coronel da reserva do Exército, Sebastião Curió Rodrigues,
comandante da última ação de repressão à Guerrilha do Araguaia, a chamada
Operação Marajoara, deflagrada em outubro de 1973.
Na denúncia, Curió é acusado
de seqüestro qualificado dos guerrilheiros Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio
Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de
Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeira Corrêa (Lia), ocorridos entre
janeiro e setembro de 1974. Conforme depoimentos e informações colhidas pelo
MPF, todos eles foram capturados pelas tropas comandadas pelo então major
Curió, presos em bases do Exército e submetidos à tortura. E nunca mais foram
encontrados.
“Como as vítimas nunca foram
localizadas, esses crimes não estão sujeitos nem a prescrição e nem à Lei da
Anistia, porque continuam acontecendo”, afirmou o procurador de São Paulo,
Sérgio Suyama. Ele garante que a tese defendida pelo MPF, embora inédita, está
baseada em jurisprudência criada pelo próprio STF, que, com o entendimento de
que o sequestro é um crime permanente, determinou a extradição de dois
militares argentinos, acusados de crimes cometidos durante a ditadura militar
daquele país. Na Argentina, ao contrário do Brasil, a Lei de Anistia foi
revogada e mais de 800 militares responderam ou respondem judicialmente por
seus crimes.
• Juiz rejeita denúncia contra Curió. E ainda querem que a
“justiça” seja levada a sério? O juiz federal João César Otoni
de Matos, de Marabá (PA), rejeitou no início da tarde desta sexta-feira (16)
denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel da
reserva Sebastião Curió, pelo crime de sequestro qualificado contra cinco
militantes capturados na guerrilha do Araguaia na década de 1970. O MPF informou
que vai recorrer da decisão. Pela manhã, a ONU divulgou comunicado em que pede
que o Judiciário brasileiro leve à frente a denúncia contra o coronel.
O juiz ponderou que os procuradores não apontaram “documento ou elemento
concreto que pudesse, mesmo a título indiciário, fornecer algum suporte à
genérica alegação de que os desaparecidos a que se refere teriam sido – e
permaneceriam até hoje – sequestrados”. João César Matos acrescenta ainda que,
mesmo se o sequestro fosse admitido, a pretensão punitiva já estaria prescrita,
ou seja, o Estado não poderia mais puni-lo. Isso porque, segundo o magistrado,
“diante do contexto em que se deram os fatos e da extrema probabilidade de
morte dos desaparecidos, haveria mesmo de se presumir a ocorrência desse evento
morte.”
O advogado Adelino Tucunduva, que atua na defesa do coronel da reserva
do Exército Sebastião Curió, elogiou (é claro!) a decisão: “A decisão não é
diferente do que esperávamos. Se por um lado existem procuradores afoitos, por
outro há juízes com os pés no chão”.
• Investigações podem levar militares ao banco dos
réus. No
esforço de investigar violações cometidas no regime militar sem esbarrar nos
limites impostos pela Lei da Anistia, o grupo de trabalho "Justiça de
Transição", composto por procuradores da República, deverá trabalhar com a
tese dos crimes permanentes, como a ocultação de cadáveres.
A tese pode ajudar no esclarecimento de crimes que há décadas estão sem
resposta. De acordo com o livro “Direito à memória e à verdade”, publicado pela
Secretaria Especial dos Direitos Humanos do governo Lula, 475 pessoas morreram
ou desapareceram por motivos políticos naquele período. Oficialmente, cerca de
140 pessoas ainda continuam desaparecidas - o que sustenta o argumento de que
os crimes de ocultação de cadáver ainda persistem.
Ernesto Germano
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